Instantâneos (38): o casamento mais concorrido do ano
Se as revistas "cor-de-rosa" tivessem que fazer um balanço do ano de 1907, provavelmente o acontecimento "do social" mais marcante seria o casamento do Conde Constantin Dyem com a menina Clara de Montalvo*. Mesmo antes, já a comunicação social vaticinava algo "sensacional", tanto pela "distinção dos noivos", como pelo brilhantismo com que se estava organizando a cerimónia. Claro que, num ano em que se fundou a Academia de Ciências de Lisboa e o governo de João Franco foi surpreendido por uma greve universitária que começou em Coimbra mas teve repercussões no resto do País, é discutível a importância do enlace, mas este foi certamente o evento mais cosmopolita a que Lisboa assistiu em muito tempo, não fizesse o noivo parte do corpo diplomático e não fosse a noiva resultado da mistura de famílias estrangeiras.
Toda a festa deve ter sido uma enorme babel, tal a confusão de idiomas, a julgar pelas diferentes nacionalidades dos participantes, a começar pelos nubentes, ele austríaco e ela hispânica. Ele "distinto e ilustrado”, filho “de uma das mais importantes famílias” da sua nação, era chambelan – moço de câmara - de sua Majestade Imperial e Real Apostólica e secretário da legação austríaca na corte portuguesa. Ela, de ascendência cubana mas nascida em França, primava pela formosura, "superior educação", "primorosos dotes de coração" e "grande nome de família", pois o pai era conde de Macurijes, descendente de um dos mais ilustres gentis homens da Rainha Isabel II de Espanha.
O clérigo que formalizou o ato, era, nada mais, nada menos, que o Núncio Apostólico.
Aliás, pelo que se percebe, os "pergaminhos" impecáveis de noivos e convidados davam, em si, para encher várias páginas, com "comboios" de títulos de que cada um e as suas respetivas famílias eram portadores. O mesmo para os requintados e luxuosos objetos oferecidos pelos convidados e pelos nubentes entre si, descritos aos pormenor nos jornais.
E que dizer do lunch servido pelo Rendez-vous des Gourmets** nas instalações da legação da Áustria? Um longo e sofisticado cardápio em francês – claro! -, para um total de 140 talheres. Deve ter sido simplesmente délicieux !
A imprensa deu igualmente destaque ao que hoje os entendidos destas coisas chamariam de looks dos ministros*** e de todas as "damas e cavalheiros da mais elegante posição social", esmiuçando as indumentárias, desde os vistosos uniformes dos senhores embaixadores e afins; às “toilettes lindíssimas" das senhoras. Abundavam cetins, veludos, crepes de Chine, sedas, bordados, guipure e rendas.
Mas, obviamente, só alguém com muito pedrigree como a duquesa de Palmela poderia usar "rendas antigas" de Chantilly e um simples mas precioso colar de pérolas.
Efetivamente, para quê complicar?
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*Os nomes completos dos noivos eram:
Clara de Montalvo y Soler e Constantin Stanislaus Wilhelm Maria Wenzel Deym, Conde de Stritez
** Rendez-vous des Gourmets situava-se na rua do Ouro, 135-137, em Lisboa.
*** ministros era como então se designavam os embaixadores estrangeiros junto de uma corte estrangeira.
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Fontes
Hemeroteca Municipal de Lisboa
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/
Illustração Portugueza
II série, nº64 - 13 maio 1907
Biblioteca Nacional Digital
www.purl.pt
Diário Illustrado
37ºano, nº 12:220 - 5 maio 1907
37ºano, nº 12:221 - 7 maio 1907
Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa
http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/
Joshua Benoliel
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/001597
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/001112
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/001113