Instantâneos (42): quem não vê caras...
Sem rosto nem identidade. Fantasmagóricos, quase ridículos de tão toscos. Encapuzados, apartados de olhares indiscretos e de qualquer outro contacto com os seus pares. Longe da vista e do coração. Era esta a realidade dos prisioneiros assim que davam entrada na Cadeia Penitenciária de Lisboa. À luz das teorias seguidas na época, o capuz era essencial no processo de regeneração e o seu uso obrigatório na presença de outros reclusos, como nesta imagem, de reunião no anfiteatro do estabelecimento.
À entrada na penitenciária, os homens eram lavados – depois havia banhos quinzenais – despiam as suas roupas mundanas e recebiam a farda que os acompanharia durante o tempo de prisão e da qual fazia parte o “infamante capuz”, como foi apelidado pelos seus detratores.
Só era permitido descobrir a cara perante os guardas prisionais e restante pessoal da cadeia, para que não fosse possível o reconhecimento por parte de outros presos. Assim, entendia-se dificultar qualquer tipo de comunicação tendente a negócios, agregações criminosas ou chantagens numa fase posterior da vida.
Os anfiteatros, como o que aqui vemos. faziam parte desta estratégia de isolamento, pois permitiam que centenas de homens estivessem reunidos no mesmo espaço, mas sem convívio algum entre si, porque os detidos era fechados em cubículos de onde apenas avistavam o orador. As aulas ou a missa, obrigatória até à instauração da República, eram assistidas em silêncio.
Os republicanos, aliás, nunca foram defensores da Cadeia Penitenciária de Lisboa, inaugurada em 1885. Apontavam-na como instituição do antigo regime, rejeitavam o seu funcionamento e os métodos ali aplicados no encarceramento e regeneração dos homens. Não admira pois que, em 6 de fevereiro de 1913, se tenha dado a denominada “cerimónia de abolição do capuz”, precisamente neste anfiteatro, onde também já não existia o antigo altar central.
O ato foi muito concorrido por membros do governo e usado como veículo de propaganda política dos ideias e princípios republicanos, anunciando-se mais alterações no sistema de reclusão, como a introdução de automóveis celulares em substituição dos carros puxados por mulas; a construção de oficinas onde os presos iriam trabalhar em conjunto e a instalação de iluminação elétrica, já que a então existente era ainda a gás.
Ao som do apito de um guarda, todos os presos foram instados a remover os capuzes, para nunca mais os colocarem. Também os “camarotes” que isolavam os homens reunidos tiveram ali o seu fim, pois foram destruídos logo após a cerimónia.
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Fontes
Penitenciária Central de Lisboa – A casa do silêncio e o despontar da arquitetura penitenciária em Portugal - Tese de mestrado, Arte, Património e Teoria do Restauro de Paulo Jorge Antunes dos Santos Adriano; Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, Lisboa 2010. Parcialmente disponível em:
https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:oWPyPeonNjoJ:https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/3660/4/ulfl059517_tm_04_capit_4_5_conclus%25C3%25A3o_bibliografia.pdf+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=pt
Hemeroteca Digital de Lisboa
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/
Illustração Portuguesa
nº365, 17 fev. 1913
Imagens
Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa
http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/
Joshua Benoliel
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/002423
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/002421
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/002424