Instantâneos (43): não há festa como esta
Abram alas! Toda a “melhor” Lisboa e arredores quer marcar presença. Afinal, nos primeiros anos do século XX, poucos são já os encontros sociais em que há verdadeiro brilho, distinção e luxo. E, embora as fortunas antigas olhem de soslaio para a riqueza aqui ostentada e as fortunas malbaratadas sejam devedoras ao dono da casa, todos ali vêm ao beija-mão do homem mais assumidamente rico daquele tempo: Henry Burnay (ao centro, na primeira imagem)
Não há área em que não tenha negócios: tabaco, banca, transportes, minas, vinhos, hotelaria...e, portanto, não há sector que seja alheio ao seu poder e influência. Daí a importância de ser convidado.
Cavalheiros de casaca, copa alta.
Senhoras pavoneando vestidos elaborados, generosamente adornados com folhos, refegos vibrantes, plissados milimetricamente engomados e bordados delicados. Longos o suficiente para roçagar o chão, num frufru imparável.
Na cabeça, um gracioso adorno onde desabrocham flores ou esvoaçam as mais vistosas plumas. Luvas, sempre! Pescoços aconchegados em rendas finas. Um laço aqui, um reluzente broche acolá, um camafeu de família que pende sobre o peito, arfante com tanta excitação e orgulhosamente empinado sobre a cintura meticulosamente ajustada.
Meninas com alvos bordados, meninos com fatinho de marujo. Indumentárias pouco dadas a veleidades infantis e que terminavam o dia invariavelmente enxovalhadas. Mas que hão-se fazer as crianças assim em espaço quase aberto, com tanto adulto monótono por perto?
Afinal, estamos numa garden party, que é como quem diz uma festa de jardim. Melhor: a festa de jardim!... porque nenhuma supera em estrondo, estadão e importância as oferecidas no Palácio Burnay, à Junqueira.
E que jardim! Com plantas exóticas e estatuaria vistosa. Não admira que o high life se acotovele para lá estar, porque cidadão que conta alguma coisa ali poderá ver, ser visto e comentado durante o resto da semana.
Ninguém sabe, é claro, que o “reinado” do “senhor milhão”, está prestes a terminar. Dois anos depois destas imagens, em 1909, o homem que sustentou as luxuosas aparências da Rainha Maria Pia, deixará o mundo dos vivos, assim como, logo no ano seguinte, a família real deixará o País, num exílio forçado pela implantação da República.
Afinal, de que serve o dinheiro e a pompa assim comprada?
E o que diriam tão distintos convivas se soubessem que, meio século depois, aqueles mesmos corredores seriam percorridos por milhares de estudantes, que as veredas do mesmo jardim seriam local de namoro e gazeta às aulas e as salas seriam espaço de saber e convívio, até ao dia em que tudo ficou silencioso outra vez*.
….........
*O Palácio Burnay acolheu o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (Universidade Técnica de Lisboa) entre 1962 e 2001, altura em que este foi transferido para o Campus Universitário da Ajuda.
..............
Já aqui falei de como Henry Burnay salvou as aparências da Rainha Maria Pia.
…..............
Fontes
Arquivo Nacional Torre do Tombo – Henry Burnay
https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4187671
Imagens
Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa
http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/ACU/000947
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/ACU/000949
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/ACU/000951
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/ACU/000953
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/ACU/000954
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/ACU/000955