Instantâneos (45): como girassóis, à espera da luz
Imóveis, subjugados por pesos e amarras. Todos os dias, à mesma hora, numa rotina entediante, mas esperançosa de um futuro sem dores ou deformações. Por vezes, logo de manhazinha, um arrepio de frio faz eriçar os pequenos pelos dos braços e pernas e quase se bate o dente, até que o sol começa a acariciar a pele e lhe transmite a seu calor, conciliando impaciências e ajudando a suportar outra jornada, sempre igual e previsível, no Sanatório Marítimo do Norte.
Se o clima ajudava e a saúde o permitia, um pequeno bando saltitava como pardalitos, palrando até ao mar. Brincavam, riam, molhavam-se uns aos outros e tudo parecia normal, exceto para os obrigados a quedar-se na varanda solário.
Outras vezes, a monotonia era interrompida pelas sessões de aprendizagem, por uma peça de teatro, um número musical ou outra atividade artística ensaiada pelos pequenos, pela equipa que deles tratava com desvelo ou por um grupo externo. (na imagem).
Era assim, rotineiro e previsível, o quotidiano no Sanatório Marítimo do Norte, fundado em 1917 para tratar a tuberculose óssea, doença altamente incapacitante e muito comum na época.
Vindas de todo o País, recebia sobretudo crianças, quebradas pela enfermidade, frequentemente inconformadas por não conseguirem fazer o que as crianças saudáveis mais gostam de fazer: correr livremente, pular…
As estadias eram habitualmente demoradas e longe das famílias, sem recursos para acompanhar os seus filhos.
Com o passar das semanas, dos meses, o acolhimento cuidado e caseiro de que eram alvo ajudava a suportar, a aceitar mesmo, o dia-a-dia, marcado por horários rigorosamente cumpridos de exposição ao sol e fisioterapia necessárias a uma recuperação tão ansiada.
Localizado em Francelos (Vila Nova de Gaia), o sanatório tinha uma alta taxa de sucesso, o que contribuía para uma quase resignação dos habitualmente inquietos pequenos utentes. Foi igualmente pioneiro na educação em meio hospitalar, tendo mesmo uma professora residente.
Foi fundado pelo médico Joaquim Gomes Ferreira Alves, com a ajuda de diversos mecenas e após ter conseguido curar um seu filho, escrofulo-tuberculoso, através do efeito benéfico da luz solar (helioterapia) e dos banhos de mar, conjugados com pressões e manipulações das zonas afetadas. Funcionou até 1978.
No Sanatório Marítimo do Norte havia um jornal interno, simbolicamente intitulado O Girassol. Como aquelas grandes flores amarelas, também as crianças ali internadas viviam em função do sol, à espera do milagre.
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Já aqui falei de escrofulismo.
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Fontes
Gaia pioneira na educação em meio hospitalar: O ensino no sanatório, de Anabela Amaral; in A História da Educação em Vila Nova de Gaia; coordenação de Cláudia Pinto Ribeiro e Francisco Miguel Araújo, Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória; jun. 2017. Disponível em https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/15519.pdf
O Sanatório Marítimo do Norte e a Clínica Heliantia de Valadares.
Arquitectura, Património e Saúde, de Nuno Ferreira; Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória – Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Disponível em http://www.citcem.org/encontro/pdf/new_02/TEXTO%20-%20Nuno%20Ferreira.pdf
Imagens
Arquivo Municipal do Porto
http://gisaweb.cm-porto.pt/
D-PST/2586
D-PST/2702
D-PST/2699
D-PST/3057
D-PST/2704