Instantâneos (55): quando um leopardo andou à solta por Lisboa
Imagine-se a trabalheira e risco inerentes ao transporte em carroça de dezenas de animais selvagens…Nos primeiros anos de existência, o Jardim Zoológico de Lisboa mudou duas vezes de instalações e, durante a transferência entre a zona da Palhavã (atual Fundação Calouste Gulbenkian) para a quinta das Laranjeiras aconteceu o que todos temiam. Um leopardo saltou da sua jaula ainda inacabada e semeou o caos e o pânico entre os lisboetas. Foi preciso um enorme aparato militar e civil para o apanhar e, no fim, não foi só a fera que ficou estendida no chão cravejada de balas. Foi a grande notícia do pachorrento verão de 1905.
Polícia, funcionários do zoo e uma força de infantaria com 40 elementos responderam à chamada para colocar em segurança a multidão que, apesar do medo, entretanto se havia aglomerado no local; fechar portas e portões e “bater mato” até detetar o bicho. Armas engatilhadas, baionetas em riste, lá foi um grupo de 14 praças, força avançada naquela missão.
O leopardo foi visto nas imediações da gaiola das águias – estaria em busca de refeição?
Não tardaram os tiros. Ao fim de duas descargas, o colosso estava ferido, mas não se dava por vencido, saltando em várias direções, atacando para sobreviver. Foi nessa altura que António Augusto Cardoso, soldado da 3ª companhia, avançou para disparar a cerca de três metros do animal, que galgou sobre o militar, abocanhando-o.
E aí, se as coisas já estavam confusas, tornaram-se mesmo caóticas, porque, enquanto o bicho se encontrava sobre o pobre soldado, um outro homem atingiu-o com uma forquilha e o resto dos militares desataram a disparar, sem se aperceberem que também atingiam o seu camarada.
No fim, apesar de todo o aparato, o saldo foi um leopardo morto e um homem multiplamente ferido, pelas mandibulas e garras do felino e por dois disparos de “fogo amigo”. Depois de desmaiar nos braços de um colega, seguiu para o hospital, prontamente acompanhado e…de elétrico.
O Jardim Zoológico de Lisboa – e a humanidade – ficaram mais pobres pelo desaparecimento de tão belo exemplar de leopardo que, esclareça-se, tinha sido um presente de João de Azevedo Coutinho – explorador, militar e, na época, administrador-geral de Moçambique – ao nosso rei, que o entregou ao zoo.
Não deixou, no entanto, de ser o primeiro parque com fauna e flora da Península Ibérica e, se naqueles tempos, o espaço visava, sobretudo, ser uma montra de feras exóticas, ali mostradas em cativeiro, hoje, tem um papel relevante na preservação de espécies e na sensibilização para o respeito pela natureza, com uma grande aposta no bem-estar dos cerca de dois mil animais que ali vivem.
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Fontes
Biblioteca Nacional de Portugal em linha
www-purl.pt
Diário Illustrado
35º ano; 8 ago. 1905
Hemeroteca Digital de Lisboa
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/
Illustração Portugueza
Nº93; 14 ago. 1905
https://www.zoo.pt/pt/conhecer/historia/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_de_Azevedo_Coutinho