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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Instantâneos (58): as bichas que não eram solitárias

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Bicha para o tabaco, para o elétrico. Bicha para o açúcar, para a manteiga, pão, batata, peixe fresco no mercado ou outro qualquer produto alimentar. Bicha até para comprar bilhete para um espetáculo. Só não havia a bicha-solitária, porque o que esses momentos de espera menos tinham era solidão, tal a companhia numerosa e indesejada que invariavelmente um cidadão encontrava a cada esquina. Assim era Portugal há exatamente 100 anos, longe de conceitos hoje tão em voga, como distanciamento social, mas enfrentando uma realidade não menos complexa, em que não se sabia bem o que se conseguia levar para por na mesa à hora do jantar.


Se, em Lisboa, as filas eram o mais certo do dia-a-adia - para além dos tumultos, das greves e da dança de cadeiras nos sucessivos governos - na província, as aglomerações não se justificavam até porque alguns produtos de primeira necessidade nem sequer lá chegavam. Por vezes, nem o pão, mesmo em zonas produtoras de cereais, porque o trigo era açambarcado para matar a fome nas cidades.

bicha do acucar.JPG

 


Em 1920, se precisava de ir às compras, o cidadão devia munir-se de muita paciência, tempo, um bom livro ou conversa fiada, para partilhar com os companheiros de espera. Devia também ser flexível, porque, embora tivesse planos de levar para casa um determinado alimento, seria bom pensar numa qualquer alternativa, porque raramente as expetativas de compra eram correspondidas.


Acabado de sair do pesadelo da I Grande Guerra (1914-18) e da mortandade da Gripe Pneumónica - duas experiências tão traumáticas quanto dispendiosas, o País estava exaurido, económica e emocionalmente. Pouco havia que comer.

bicha paa o teatro.JPG

 

Nas lojas faltava de tudo também porque havia quem retivesse em armazém o que existia e não o deixasse chegar ao público a não ser a preços que o povo não conseguia pagar, apesar dos esforços do Estado para tabular os bens essenciais.


E, por isso, novos e velhos, homens e mulheres, se acotovelavam para conseguir os primeiros lugares e almejar adquirir o que fazia falta à família.


Também havia os que faziam da bicha um negócio, porque marcavam posição e depois trespassavam-na a quem desse mais; porque aproveitavam para vender produtos a quem estava à espera; ou porque se entretinham a desviar as carteiras - e os poucos “cobres” que estas continham - dos bolsos de quem distraidamente aguarda sua vez.

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Frequentemente, regressava-se ao lar de mãos a abanar e algumas escoriações, de alguma escaramuça que explodiu entre os que esperavam ou da intervenção do cassetete da polícia, sempre oportuna para acalmar a turba, porque, como bem diz a sabedoria popular, em casa onde não há pão…há fome e revolta.

 

 

 

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aqui antes falei da forma tumultuosa como começaram os anos 20 do século passado no nosso País.

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Fontes
Hemeroteca Digital de Lisboa
Illustração Portugueza
II série; nº724 – 5 jan 1920
II série; nº730 –16 fev 1920
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/
www.fmsoares.pt/aeb/crono/ano.php?ano=1920


http://maltez.info/respublica/Cepp/anuario/secxx/ano1920.htm