Instantâneos (72): asas de aço e vontade férrea
Pense num animal que transmita leveza. Poucos corresponderão melhor a essa ideia que uma borboleta…e, no entanto, o etéreo e esvoaçante ser foi durante quase um século um dos principais símbolos* da indústria pesada nacional. Tal como a insignificante lagarta ganha asas e se metamorfoseia num animal belo e admirado, assim um ferreiro pobre, mas inconformado, conseguiu transformar a sua pequena forja numa fábrica onde chegaram a trabalhar 2.500 pessoas e que produziu de alfaias agrícolas a veículos de guerra, sempre acrescentando valor.
Esta é a história de Eduardo Duarte Ferreira (1858-1948). Numa época em que o sector empresarial de grande porte dependia de grandes e abastadas famílias ou investidores estrangeiros, criou de raiz um império que foi sinónimo de qualidade e confiança, em Portugal e no estrangeiro.
A Metalúrgica Duarte Ferreira, no Tramagal, resultou da visão do seu fundador, que não se resignou em ser barqueiro como o pai, ou ferreiro, com havia sido ensinado. Quis aprender a fundir o ferro e começou por produzir alfaias agrícolas rudimentares, que foi aperfeiçoando até ao ponto de ser inovador, criando uma charrua com rasto e bicos substituíveis.
Nunca mais parou de crescer e de ensaiar novas tecnologias e produtos, nas várias instalações que chegou a deter e a par de uma considerável obra social, cultural e até desportiva na comunidade.
De equipamento para a produção de vinho e azeite, ao aço vazado por processo elétrico, uma novidade no nosso País.
De loiça doméstica esmaltada, a enfardadeiras e debulhadoras mecânicas de grandes dimensões.
De componentes para locomotivas, a gasogénios para automóveis, passando pelos famosos camiões militares Berliets e outros veículos, bem como uma fundição com capacidade para 4 mil toneladas anuais de peças de aço.
E as dificuldades foram também sendo sucessivamente ultrapassadas: a falta de dinheiro inicial; a instabilidade da 1ª República; a grande depressão; a II Grande Guerra…A tudo, a Metalúrgica Duarte Ferreira sobreviveu, menos à intervenção estatal, que a administrou entre 1974 e 1979, época em que tinha mais de dois mil trabalhadores.
As borboletas morrem quando as tentam agarrar.
Ironicamente, esses tempos revolucionários em que o povo saiu a rua em liberdade pela primeira vez em muitos anos, foram os únicos em que, na Metalúrgica Duarte Ferreira, não se comemorou o 1º de Maio, que ali era dia feriado e de confraternização geral alheia a politicas pelo menos desde 1901.
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A memória destes cerca de cem anos de história está hoje salvaguardada num museu que, tal como o fundador da empresa da borboleta, já ganhou prémios de excelência.
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*A borboleta, nas suas várias formas, foi sempre a imagem da Metalúrgica Duarte Ferreira. Não se conhece uma razão específica para a adoção deste símbolo, para além de ser fácil de fundir e por remeter para as origens rurais do fundador. Usada desde o princípio da atividade, foi registada pela primeira vez em 2 de junho de 1917.
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Fontes
Folheto explicativo do Museu Metalúrgica Duarte Ferreira – Tramagal, gentilmente cedido por José Mário Parente.
Metalúrgica Duarte Ferreira - O longo voo da borboleta, de José Martinho Gaspar; disponível em WIKI - Rede de Bibliotecas do Médio Tejo.
Metalúrgica Duarte Ferreira - O longo voo da borboleta (mediotejo.pt)
Abordagem à Metalúrgica Duarte Ferreira: Proposta de Musealização, dissertação de Mestrado em Desenvolvimento de Produtos de Turismo Cultural, de Lígia Vanessa Lopes Farinha Marques; Escola Superior de Gestão de Tomar - Instituto Politécnico de Tomar. Disponível em
Imagens
Alf van Beem - Obra do próprio
Por Fernando Gertrudes - Obra do próprio, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=66422584
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