Instantâneos (80): barbeiros ou carniceiros?
É bem sangrento o passado para o qual remetem os postes rotativos onde brilham riscas encarnadas, brancas e azuis e que, por todo o País, são ostentados na fachada dos estabelecimentos pelos barbeiros de nova geração. Saberão eles no que se metem?
O poste ou “barber pole”, como é conhecido, remonta a tempos imemoriais em que o barbeiro era também o mais comum cirurgião, estatuto que manteve durante séculos.
Também em Portugal e quase até aos nossos dias, especialmente em meios pequenos, onde não abundavam médicos, estes profissionais, para além das tradicionais “barba ou cabelo?”, eram uma espécie de resolve tudo na luta do homem contra a dor, quer fossem estabelecidos em casa própria ou andassem de terra em terra cumprindo esse verdadeiro serviço público.
Extraíam dentes a coberto de uma aguardente forte ou outro qualquer líquido capaz de atordoar o paciente e ainda desinfetar a ferida.
Mas, não se ficavam por aqui. Os que tinham feito o necessário treino com o cirurgião-mor possuíam autorização para operações arriscadas, o que se manteve até finais do século XIX.
A cirurgia era a “enteada” das ciências médicas.
Durante muito tempo, os barbeiros-cirurgiões executavam “pequenas” operações, cauterizavam feridas, eram entendidos – ou curiosos – do uso de plantas e raízes para fins medicinais e tinham – ou alugavam - sanguessugas que utilizavam nas suas atividades. Chegavam a praticar trepanações, mas uma das ações mais comuns eram as sangrias.
Com o sangue, drenavam-se as maleitas que atormentavam o paciente e repunha-se o equilíbrio dos humores
Tinham – e ainda têm - a enorme vantagem de ser o principal antro da cusquice.
Retinham as últimas novidades da terra e passavam-nas ao próximo. Uma pessoa podia sair do barbeiro sem um dedo que estava a gangrenar, mas sempre tinha notícias frescas para contar…
Mas, não encontrei memória que em Portugal se usassem os tais “barber pole”, antes, faziam-se anunciar com dizeres pintados nas paredes exteriores dos estabelecimentos, numa tabuleta metálica ou numa esfera idêntica às que se usam em Inglaterra à porta das casas de penhores.
Como sempre gostámos de imitar tudo o que é estrangeiro, era frequente em vez de barbeiro escrever-se “coiffeur” ou “hair-dresser”, pouco impontando que saber ler, ainda que em português, fosse uma raridade.
Pois o tal poste, hoje tão divulgado entre as camadas mais jovens, avisava quem passava – sem que fossem precisas palavras - que aquele barbeiro era versado nessas intervenções “médicas”.
Só que não era uma peça brilhante como as que agora vemos, era uma espécie de coluna onde penduravam ligaduras e panos usados nessas operações e, por isso, bastas vezes manchados de sangue do último desgraçado.
As ataduras eram postas a secar ao vento e enrolavam-se umas nas outras, formando o padrão que os postes modernos pretendem recriar. O azul parece ser apenas um acrescento norte-americano, aludindo às cores da bandeira das estrelas.
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Fontes:
Bloody History of Barber Surgeons, texto de Semran Thamer, Medical Dialogue Review. Disponível aqui: mdrnyu.org
https://lifecooler.com/artigos/museu-do-barbeiro-e-cabeleireiro/19356/
Joaquim Pinto - Pinto's Cabeleireiros: OS BARBEIROS E A SUA HISTÓRIA (joaquim-pinto.blogspot.com)
Barber Pole: conheça a curiosa história do símbolo da barbearia (cursodebarbeiros.com.br)
A trajetória de médicos e barbeiros no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX; Rodrigo Aragão Dantas; História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro - v.22, n.3, jul.-set. 2015, p.1043-1050. Disponível em: 0104-5970-hcsm-22-3-1043.pdf (scielo.br)
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