Instantâneos (90): máquinas de “fazer políticos”
Esta caixa de madeira com aspeto estranho era apresentada como a última novidade do mundo moderno. Estávamos em maio de 1910 e máquina de votar, como foi denominada, não passou de uma curiosidade. Em Portugal, aliás, embora o direito ao voto seja hoje totalmente diferente do que era então, por contraste, o ato de depositar em urna a opção política de cada um, parece quase tão primitivo como o era então: tudo se resume a um simples pedaço de papel onde se assinala a escolha feita em consciência.
Nessa primavera, o sr Tavares de Mello* fez uma apresentação nas instalações da Associação da Imprensa, desenvolvendo “experiências curiosas” com este aparelho, que havia sido inventado por um engenheiro italiano.
Em meio dia, tinha capacidade para “atender” dez mil eleitores, que podiam votar, acionando “favorável”, “desfavorável” ou “indeciso” à frente de cada um dos quatro candidatos que a máquina suportava. O ato fazia avançar a contagem, que permanecia oculta durante a votação. No final, bastaria destapar os quadros e verificar os resultados.
O equipamento destinava-se a permitir ao cidadão cumprir o seu dever comodamente, facilitando a contabilização e prevenindo as fraudes eleitorais, mas o jornalista perguntava-se, com lucidez, se esse objetivo final seria alcançado, ou se se encontrariam nova formas de “fazer chapeladas”.
Certo é que, no nosso País, a ideia não “pegou”. Felizmente, embora algumas décadas depois, “pegaram” outras ideias também então inovadoras e extravagantes, como o voto livre, democrático e universal, só conseguido entre nós após 1974.
Quando esta maquineta foi dada a conhecer em Lisboa, viviamos ainda em monarquia, portanto, com um chefe de Estado não eleito. O voto estava reservado aos homens que tivessem rendimentos ou desempenhassem funções que os habilitassem a tal.
Como se vê, em menos de um século, viajámos “anos-luz” no que toca à liberdade de escolher quem nos governa.
No entanto, o denominado voto eletrónico – usado em vários países e motivo de acesas polémicas em outros – é um tema com pouca adesão por cá. Fizeram-se apenas quatro experiências – 1997, 2001, 2004 e 2005 – todas elas não vinculativas e apenas num número limitado de freguesias pré-determinadas.
Pode ser confortável, rápido, seguro e fidedigno, mas, como é bom de ver, não é essencial.
Afinal, basta mesmo um pedaço de papel e, sobretudo, vontade de não deitar a perder esta liberdade que nos custou tanto a ganhar.
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*Presumo que o jornal se referisse a Eduardo Tavares de Mello, formado em Direito, mas grande entusiasta da mecânica e importador para o nosso País do primeiro automóvel sobre pneus, em 1897. Tratava-se de um Pegeot.
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Fontes
Hemeroteca Digital de Lisboa
Hemeroteca Digital (cm-lisboa.pt)
Illustração Portugueza
Nº221 – 16 mai 1910
A capacidade eleitoral no direito português, de 1820 a 1974, de Alexandre de Sousa Pinheiro. Disponível em: https://www.cne.pt/sites/default/files/dl/trabalho_capacidade_eleitoral.pdf
Voto electrónico | Comissão Nacional de Eleições (cne.pt)
Urna eletrônica – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
Imagens
IIllustração Portugueza
Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa
Urna eleitoral guardada por militares armados – 1908
Joshua Benoliel
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/002742
Urna no átrio dos Paços do Concelho de Lisboa – eleições autárquicas em 1979
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/UNP/000192