Instantâneos (95): quando Lisboa tinha dois aeroportos
Há pelo menos cinco décadas que se fala na construção de um novo aeroporto para Lisboa. É estranho, pois, pensar que a nossa Capital já teve duas infraestruturas destas a funcionar em simultâneo. Nos anos 40 do século XX, o Aeroporto da Portela e o Aeroporto Marítimo de Cabo Ruivo, em pleno Tejo, partilhavam as chegadas e partidas aéreas
Os voos intercontinentais amaravam e descolavam no rio e os passageiros com destino ou origem em outros países da Europa utilizavam a pista da Portela. A ligação entre as duas viagens fazia-se pela Avenida Entre os Aeroportos, num percurso de cerca de três quilómetros.
As carreiras transatlânticas para Lisboa estrearam-se em junho de 1939, com um Dixie-Clipper da Pan American Airways, que criou uma pequena base na zona de Cabo Ruivo.
Os ilustres 22 passageiros e 11 tripulantes deste “navio voador”, tiveram até direito a receção especial no Hotel Aviz. Esta unidade hoteleira, em conjunto com a Sociedade de Propaganda de Portugal - muito internacionalmente promotora do Touring Português - lançou uma espécie de concurso para premiar a melhor das companhias que, dali em diante, realizariam a ponte aérea entre Nova Iorque e Lisboa, via Açores, uma epopeia que então demorava 24 horas e custava para cima de um dinheirão.
O Aeroporto Marítimo de Cabo Ruivo só seria concluído em 1943 – um ano após o Aeroporto da Portela. Em conjunto, substituíram o primitivo Campo Internacional de Aterragem de Alverca.
O Estado português criou todas as condições e dotou o espaço dos equipamentos necessários. Procedeu a dragagens e regularização de margens, construíndo os molhes que constituem a Doca dos Olivais, junto da qual foram erguidos os edifícios de apoio, aerogare, rampas e ponte-cais, muito próximo do local onde hoje se ergue o Oceanário de Lisboa.
Tornou-se comum os hidroaviões e as outras embarcações que sulcavam o rio partilharem as mesmas águas, obedecendo, por isso, a regras precisas de navegação.
Sendo Portugal a nação mais ocidental da Europa e gozando de uma posição neutral no conflito, não é difícil de imaginar que, durante a II Grande Guerra esta tenha sido uma plataforma giratória de grande importância, em especial para quem queria fugir para os Estados Unidos da América, mas também para os espiões que, como se sabe, conspiravam por Lisboa durante esse período.
Após o fim da guerra e com a vulgarização do transporte aéreo terrestre, o Aeroporto Marítimo de Cabo Ruivo foi perdendo importância, fechando definitivamente no final da década de 50. Em 1964, a Avenida Entre Aeroportos foi rebaptizada avenida de Berlim e a requalificação urbana que ali se operou a partir da Expo 98 acabaria por ajudar a apagar as marcas deste passado ligado aos hidroaviões.
Quanto ao Aeroporto da Portela (hoje Humberto Delgado), enfim, há muito que anseia poder novamente partilhar com outro o peso de tantas viagens.
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Fontes
Diário de Lisboa
29 junho 1939
casacomum.org
Associação Náutica Marida do Parque das Nações – A Marina de Lisboa
Aerop_Marit_Cabo_Ruivo.pdf
Revista Voar
Jan-mar 2011 – texto de António Rocha
Associação Portuguesa de Aviação Ultraleve
revistavoar_11 clippers.pdf
Decreto-Lei 32331 (tretas.org)
1946.1.pdf
Imagens
Arquivo Municipal de Lisboa
Artur João Goulardt
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/AJG/002999
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/AJG/003000
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/AJG/003001
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/AJG/003002
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/AJG/003004
Biblioteca de Arte / Art Library Fundação Calouste Gulbenkian
Chegada de passageiros