Instantâneos (33): a viscondessa, o marido e o administrador da Caixa Geral de Depósitos que era artista
Leve, fresca, deslumbrante. Uma beleza aparentemente ingénua, numa pose estudada para parecer despreocupada, espontânea. Assim é Carlota, qual Scarlet O’Hara de E tudo o vento levou, parece hipnotizar-nos, seduzir-nos. O seu colo delicado, que o vestido branco desnuda, prende-nos o olhar. A figura é alva, imaculada, colorida apenas pelo xaile, o adorno no cabelo negro e a flor, vermelho-pecado. O seu rosto, inocente, quase nos convence que não sabe estar a ser contemplada, mas uma observação mais astuciosa revela-nos que tudo ali é intencional. A Viscondessa de Menezes sabe o efeito que provoca em quem a vê. E quem assim a retrata conhece bem o resultado do seu fascínio, porque casou com ela.
Ela é Carlota Emília Mac-Mahon Pereira Guimarães, uma das mais elegantes senhoras da crème de la crème da sociedade lisboeta da segunda metade do século XIX. As suas vestes sumptuosas e a postura irrepreensível eram sempre das mais badaladas em tudo o que era soirée ou recital a que assistia. Com 20 anos (1858) festejou o enlace com Luís de Miranda Pereira de Menezes (Visconde de Menezes).
Portuense, 17 anos mais velho, nobre, rico, corajoso e cosmopolita. Em jovem bateu-se pelos liberais no cerco do Porto e, desiludido com o ensino das belas artes que cursou no nosso País, partiu para conhecer novos mundos e experiências artísticas. De regresso, especializa-se em retratos, nos quais demonstra especial talento...mas não só.
O 2º Visconde de Menezes, para além de casar com esta radiante donzela, com quem teve pelo menos uma filha, torna-se o primeiro administrador da Caixa Geral de Depósitos.
A função, que não estava ainda conspurcada com o peso da suspeita que as recentes notícias têm trazido à praça pública, era já de grande responsabilidade, porque se tratava o arranque do banco público.
É de sua autoria, por exemplo, o primeiro regulamento da instituição.
Quem sabe o que poderia ter sido diferente, se os últimos administradores fossem versados em artes plásticas e não nas artes do crédito fácil?
Carlota, sempre a mais elegante e formosa nos numerosos convívios que frequentava, acabou da pior maneira para quem é assim tão belo: sucumbiu a um violento ataque de bexigas negras, pouco antes de completar 40 anos.
Ou então, não. Morreu da melhor maneira para quem é assim tão magnífico, não chegando a envelhecer.
Será, por isso, recordada jovem e esplendorosa.
O funeral foi em grande, claro. Contaram-se mais de 50 carruagens e estava presente tudo o que era gente importante, como nas muito requintadas festas a que a viscondessa comparecia.
O visconde, artista e banqueiro, morreu um ano depois.
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O quadro pode ser apreciado no Museu do Chiado – Museu Nacional de Arte Contemporânea. Foi doado pela filha do casal, em 1919.
O auto-retrato do Visconde encontra-se no Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto.
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Fontes
Textos de Maria Aires Silveira e Carlos Silveira
http://www.museuartecontemporanea.gov.pt/ArtistPieces/view/46/artist
http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=200706
Biblioteca Nacional Digital
www.purl.pt
Diário Illustrado
6º ano, nº 1533, 3 mai. 1977
6º ano, nº 1534, 4 mai. 1977