Instantâneos (46): figuras que brilham
Luz. Todas as cambiantes de luz que se possa imaginar. Diferentes, encantadoras, hipnotizantes, inebriantes fontes de luminosidade que destacam as figuras, fazendo-as brilhar, ou as escondem numa penumbra estudada, realçando, ao invés, os objetos, o panorama circundante, o casario pitoresco. Mesmo nas paisagens mais comuns, nos quadros rurais que tanto povoam a sua obra, nos retratos encomendados pela realeza ou outras figuras de grande destaque social, que contribuíram para o seu sucesso e lhe pagaram os estudos, ajudando-o a impor-se como grande artista, a luz é a glória maior de Carlos Reis. Isso e os brancos.
Os brancos! Como é possível retirar tanta expressão, tamanho movimento, inigualável leveza, inimitável transparência de um simples pano branco?
Atentemos nestes resplandecentes exemplos da mestria do pintor de Torres Novas.
Quanta vida se reflete nestas imagens!
Em "Batizado de aldeia", todo o quadro de uma festa particular na província. O velho orgulhoso, a cuidadosa mulher transportando o bebé; a vizinha mirone apreciando o cortejo familiar. As abóboras deixadas ao sol; as couves já espigadas, ressequidas pelo estio.
E o branco, ardilosamente mostrando as meninas, deliberadamente lançando na penumbra os outros convidados. No incontornável vestido da criança a batizar. Sempre o branco.
Inocente, puro, esvoaçante e vivo, mesmo quando apenas se trata de um delicado vestido em que três jovens trabalham, provavelmente para luxuoso gáudio de uma terceira: a proprietária da vestimenta.
As engomadeiras terão, provavelmente, os mesmos devaneios da patroa, mas uma outra condição agarra-as a este trabalho, tocando a riqueza sem a possuir; tomando-lhe o gosto, sem a poder usar. No entanto, mesmo quando se afadigam na labuta, deixam os sonhos aflorar, animando a conversa. Quanta fantasia se esconde naquele sorriso maroto e no olhar cúmplice da amiga?
Em “Asas”, o branco é diferente. Curiosamente, embora se retratem belos anjos personificados por crianças, provavelmente em dia de procissão, lá está a mesma transparência, límpida, quase etérea, imaterial, mas não a mesma pureza sem mácula. O branco aqui surge-nos menos ostensivamente virginal, no entanto, magistralmente matizado, como que dizendo que no melhor pano cai a nódoa...
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A obra de Carlos Reis (1863-1940) é habitualmente classificado como naturalista e é certo que insistiu neste registo, elevando-o a um nível particular, mesmo quando esta corrente artística já se encontrava em decadência. Conseguiu cumprir formação em Lisboa e Paris com o patrocínio do então príncipe D. Carlos. De regresso, substituiu o mestre Silva Porto como professor de paisagem na Escola de Belas-Artes. Foi diretor do Museu Nacional de Belas Artes e do Museu Nacional de Arte Contemporânea.
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O “Batizado de aldeia” (?) pertence ao Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, Brasil.
“As engomadeiras” (1915) encontra-se no Museu Nacional de Arte Contemporânea (Chiado), Lisboa.
“Asas” (1933) pode ser visto no Museu Municipal Carlos Reis, na sua terra natal, Torres Novas.
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Fontes
http://www.museuartecontemporanea.gov.pt/pt/pecas/ver/427/artist
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Carlos_Reis_-_O_Batizado.jpg
https://museu.cm-torresnovas.pt/index.php?start=21