Instantâneos (73): quando os “cabeças de giz” recebiam cabazes de Natal
Doces, garrafões de vinho e de azeite, bacalhau – claro - mas também animais vivos, peças de mobiliário e eletrodomésticos de peso, como um frigorífico. A imaginação era o limite quando se tratava de enaltecer o papel que os polícias sinaleiros tinham na correta orientação do trânsito e também, certamente, amenizar o impulso disciplinador daqueles agentes da segurança rodoviária.
À luz dos nossos dias, parece estranho que os sinaleiros tivessem tal preponderância, mas, efetivamente, numa época em que os portugueses – os poucos privilegiados que tinham automóvel - se habituavam às regras do código da estrada – criado apenas em 1928 – o papel destes homens foi pedagógico e essencial para travar excessos daquela elite habituada a fazer o que bem queria.
Tal como em outros países da Europa, optou-se por uma farda distintiva da atividade, nomeadamente com um reluzente capacete branco, que rapidamente lhes valeu o epiteto de “cabeça de giz”.
Partiu do Automóvel Clube de Portugal (ACP) a iniciativa Natal do Sinaleiro, lançada em 1932, ano em que havia 120 destes agentes em Lisboa e 57 no Porto. Tinham um posto fixo e eram conhecidos pelo nome, não granjeando a simpatia de todos os automobilistas.
Dois dias antes do Natal, era montada a decoração e os postos de recolha dos presentes, ali deixados por empresas e por particulares apostados em cair nas boas graças de determinado sinaleiro. Depois era só aguardar, para ver o que o “menino Jesus” deixava no “sapatinho”.
Parte das ofertas era entregue a instituições de caridade, mas os sinaleiros conseguiam arrecadar um cabaz de Natal bastante invejável.
Havia de tudo: a juntar aos mais corriqueiros acepipes comuns na época de Natal e não só – o “fiel amigo”, bolachas, bolos, chocolates e rebuçados em grandes caixas, sacas de arroz e de batatas, cestos com fruta e legumes – apareciam sacos de carvão, atoalhados e cobertores, loiças, tabaco, peças de vestuário, bebidas alcoólicas…
Um amontoado de fardos, sacos, caixas e pacotes, num colorido que rendia muitos mirones.
E dinheiro…
Se fosse hoje, qualquer um destes presentes - mesmo o leitão, as galinhas, os perus ou os borregos vivos, era considerado suborno. Que dizer então de envelopes com dinheiro equivalente a uma parte considerável do magro salário auferido pelos sinaleiros?
Talvez por isso, o Natal do sinaleiro terminou em 1953 e não parece ter condições para que alguma vez possa ser retomado. Quanto à profissão, embora tenha praticamente desaparecido, está agora a ser relançada em algumas cidades, numa abordagem mais humana às tantas vezes maltratadas regras de trânsito.
Fontes
O regresso do polícia sinaleiro (acp.pt)
O Natal recheado dos polícias sinaleiros - Vida - SÁBADO (sabado.pt)
Texto de Susana lúcio
Arquivo Municipal de Lisboa
Texto de Paulo Jorge dos Mártires Batista
Imagens
Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa
Código de Referência:
PT/AMLSB/EFC/000973
PT/AMLSB/EFC/000975
PT/AMLSB/EFC/000976
PT/AMLSB/EFC/000978
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