Instantâneos(24): O sonho de Cassiano Branco para a Califórnia da Margem Sul
Uma estância balnear onde não havia lugar à habitação permanente, onde enormes piscinas – uma coberta e outra descoberta – bem como um vasto canal entre a zona urbana e o areal, complementavam a oferta de praia para banhos e desportos náuticos. Largas avenidas traçadas a régua e esquadro, dois grandes hoteis…em suma, um paraíso elitista e hollywoodesco da Costa de Caparica à Fonte da Telha. Foi este sonho, dificilmente concretizável, que Cassiano Branco passou para o papel e apresentou como a sua visão do futuro aspiracional para aquele território, no longínquo ano de 1930, muito antes da balbúrdia que, décadas depois, dominaria aquela paisagem.
Numa época em que a “Costa” era pouco mais que uma aldeia de pescadores dando os primeiros passos como local de férias - uma atividade então ainda relacionada mais com questões de saúde - Cassiano Branco planeava uma cidade magnífica, ligada à praia por pontes pedonais e equipada com teatros, cinema, um casino de grande dimensões, campos desportivos ladeados de bancadas, salas de conferências, amplos parques de estacionamento e até uma pista para pequenos aviões de turismo.
Ao fundo, apenas a arriba fóssil nos recorda onde estamos.
Era um espaço deslumbrante, cosmopolita, pensado para uma sociedade urbana em ascensão, culturalmente exigente, com poder de compra e disponibilidade para fruir as coisas boas da vida, qual Califórnia da Margem Sul, que também atrairia turismo estrageiro de luxo.
Não parece haver ali lugar para os pescadores, que por aquela altura povoavam a “Costa” ganhando o seu pão nas ondas; nem para o proletariado, que viria a ser a força motriz do crescimento daquela região; muito menos para tendas, barracas, barraquinhas e ainda outras construções abarracadas ou de fraca arquitetura e pior ordenamento que minaram aquela frente de mar durante décadas e que só nos últimos anos foram sendo limitadas, organizadas ou eliminadas.
O sonho e o pesadelo numa mesma localização.
O mar azul e profundo; as areias finas, a escarpa sobranceira, a luxuriante Mata Nacional dos Medos; o altaneiro Convento dos Capuchos…tudo isso é a realidade, que assiste impávida aos devaneios e atropelos.
Fontes
Arquivo Municipal de Lisboa
http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/
Imagem
PT/AMLSB/CB/09/02/06
O apogeu do modernismo em Cassiano Branco 1928-1939, de Paulo Jorge dos Mártires Batista; Arquivo Municipal de Lisboa
Paulo Tormenta pinto, em Cassiano Branco, 1897-1970 – Arquitetura e Artifício, Lisboa, Caleidoscópio, 2007, citado no trabalho anterior.
António Ferro, em Hollywood capital das image; Lisboa, Portugal, Brasil, 1931, idém.