Ir à guerra com pombos e balões
O primeiro veículo aéreo das forças armadas portuguesas foi um balão. Nada de estranho em finais do século XIX. Embora já outros aparelhos com nova tecnologia se testassem nos céus, os aeróstatos ainda estavam em voga. Por cá, foi escasso o seu sucesso, por isso não deixa de ser curioso que, mais de um século depois, ainda exista um balão militar em atividade, mas com funções completamente diferentes das originais.
Houve tentativas anteriores, mas foi em 1889 que se deu a integração, no Departamento de Engenharia Militar, da novíssima Inspeção do Serviço Telegráfico de Guerra, de Aeroestação e Pombais Militares, que, de forma abrangente, englobava várias missões “aéreas”: as transmissões por telégrafo (existentes desde 1810); as comunicações através do envio de pombos-correio e a aeroestação, que havia sido criada no ano anterior. Apesar das eventuais boas intenções na referência aos balões, a verdade é que a sua utilização militar entre nós foi sempre limitada e sem grandes proezas.
Para dotar esta unidade, há referência à aquisição, em França, de um destes aparelhos, inflado a hidrogénio, mas a experiência não vingou.
Melhor sorte também não tiveram as tentativas de Cipriano Leite Pereira Jardim. Incumbido de abastecer as nossas forças com engenhos voadores, não se limitou a comprar balões, antes, desenvolveu um modelo revolucionário (próxima imagem) que apresentou com grande aparato e ao mais alto nível na Sorbonne (Paris) e em Lisboa, fazendo uso de um protótipo de pequenas dimensões, que conseguiu manobrar com relativa facilidade, ultrapassando problemas como a perigosa aterragem ou a dificuldade de manter o rumo, deficiências comuns nos aeróstatos.
Apesar das enormes vantagens que a imprensa da época apreciou no mecanismo e da condecoração atribuída pelo Estado francês, a extraordinária invenção esbarrou numa certa inércia e na crónica falta de verbas destinadas à investigação e à defesa, um pouco como, mais tarde, aconteceu com o aeroplano Gouveia ou com o inovador submarino Fontes, no qual o Estado português não investiu, preferindo ir adquirir a nova tecnologia ao estrangeiro.
Ao longo dos anos, voltaram a fazer-se testes com aeróstatos, nomeadamente ascensões estáticas e com versões dirigíveis, mas só na República, em 1911, seria criada uma unidade exclusiva de aeronáutica – a Companhia de Aeroesteiros – que ganhou o primeiro avião no ano seguinte, 1912, dando o mote para a criação da Força Aérea Portuguesa, que então se deu.
Mas, os balões não estavam totalmente esquecidos. Eram usados em exercícios de observação, comunicação e regulação de tiro para artilharia, fazendo um reconhecimento sorrateiro do terreno inimigo. Foi também a partir de um balão que se fez o primeiro salto de paraquedas com militares portugueses, em 1922.
Três anos depois, construía-se um singular hangar de balão, em Alverca. Trata-se de uma estrutura inovadora, hoje única no mundo, com base numa malha de triângulos de madeira, que permite um interior sem arestas perigosas para o revestimento dos balões, enquanto mantém a resistência e a forma adequada à função (na imagem).
A sua utilização durou apenas 12 anos, porque o Batalhão de Aeroesteiros e a Escola Militar de Aeroestação seriam extintos em dezembro de 1937, uma vez que os aviões tinham tornado os balões armas de guerra obsoletas e, de resto, alvo fácil em contexto de combate.
Não deixa de ser irónico que essa sua grande área pachorrentamente exposta tenha sido o trunfo para as últimas utilizações dos balões entre nós.
Durante a II Grande Guerra, foi criada uma unidade de balões-barragem, com o fim de proteger as cidades de Lisboa e Porto, em caso de bombardeamento. Eram enormes e, efetivamente, barrariam a visibilidade aos pilotos, cobrindo eventuais alvos e, assim, dificultando a mira aos pontos considerados estratégicos, impedindo os aviões atacantes de voarem a baixa altitude.
Com a apregoada neutralidade de Portugal, não chegámos a necessitar dessa defesa.
Ao contrário do que aconteceu em Inglaterra, por exemplo, onde milhares de balões-barragem não tripulados impediram ataques aéreos e causaram a perda de numerosas aeronaves alemãs, que embatiam nos cabos, quando tentavam voar por debaixo (na imagem).
Só em 1993 é que os balões voltariam às nossas forças armadas, desta feita pela mão do Corpo de Tropas Paraquedistas, que adquiriu, em Inglaterra, um balão de ar quente destinado à promoção da imagem desta unidade, com o objetivo de dar nas vistas perante potenciais voluntários, nomeadamente com exibições em eventos de balonismo.
Como a ideia pareceu dar frutos, o atual é já o terceiro balão a ser operado pela equipa de balonismo do Regimento de Paraquedistas do Exército português (o balão verde, na imagem).
À margem
Os pombos-correio têm uma história mais longa e bem-sucedida que os balões. Usados desde a antiguidade, continuam como recurso possível quando todas as tecnologias de transmissão falham. Em Portugal, a utilização formal de pombos pelo exército teve início em finais do século XIX, tendo sido criada em 1880 a rede de pombais militares.
Foram muito uteis, nomeadamente durante a I Grande Guerra, havendo todo um conjunto de objetos e instruções muito precisas sobre como deveriam ser escritas as mensagens, carregadas em minúsculos tubos feitos a partir de uma pena de pato e presos com delicados fios a uma pena da cauda do pombo. O processo foi aperfeiçoado, com pequenos recipientes que se prendiam a uma pata. Existiam também transportadores individuais, com sanitário incorporado, para que um militar destacado numa missão específica pudesse levar o “seu” pombo em segurança e higiene. Estas aves eram de tal forma vitais que foram usadas aos milhares por praticamente todas as forças em conflito, havendo abrigos antigás para pombos e pombais móveis.
Houve até pombos-correio condecorados pelas suas extraordinárias prestações, que ajudaram muitos soldados.
É claro que, contra grandes males, grandes remédios: havia atiradores encarregues de abater pombos, mas a forma mais eficaz de acabar com eles era através de falcões peregrinos, que “lhes chamavam um figo”.
O mais famoso pombo utilizado durante a I Grande Guerra, foi o Cher Ami, que salvou o denominado “batalhão perdido”, ao levar uma mensagem com a sua localização, quando este se encontrava debaixo de fogo. Perdeu uma perna e ficou gravemente ferido, mas foi condecorado com a Cruz de Guerra e vastamente homenageado, até se transformar num herói…. empalhado.
Mas isso é outra história...
Fontes
Viagens Aeronáuticas Dos Portugueses [ed. lit.] Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, António Camões Gouveia, (coordenação), Museu do Ar, Lisboa,1997.
Texto de Miguel Machado,
https://www.operacional.pt/o-balao-publicitario-das-tropas-para-quedistas/
Anabela natário, jornal Expresso, 28.05.2018
https://expresso.pt/sociedade/2018-05-28-Cipriano-Jardim-inventor-desprezado
O Occidente, 11.05.1888, na Hemeroteca Digital de Lisboa, em https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/index.htm
Textos de Coronel José Manuel Canavilhas, M. General Pedroso de Lima,
História das Transmissões Militares – Um site da Comissão da História das Transmissões (CHT)
https://mediotejo.net/o-campo-de-instrucao-do-poligono-militar-de-tancos-por-fernando-freire/
chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://academia.marinha.pt/pt/academiademarinha/Edies/MEMORIAS_2017.pdf
https://issuu.com/aaacm/docs/revista_zacatraz_198_web
Balões Barragem // Segunda Grande Guerra
Balão barragem – Wikipédia, a enciclopédia livre
https://pt.wikipedia.org/wiki/Companhia_de_Aerosteiros
Imagens
Viagens Aeronáuticas Dos Portugueses [ed. lit.] Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, António Camões Gouveia, (coordenação), Museu do Ar, Lisboa,1997.
Os Aerosteiros, balões, aviões e as Transmissões – História das Transmissões Militares
Multimédia » Balão Barragem sobre Londres. // Segunda Grande Guerra
Alfredo Serrano Rosa, O BALÃO PUBLICITÁRIO DAS TROPAS PÁRA-QUEDISTAS | Operacional
https://filatelista-tematico-blog.net/cher-ami-o-soldado-mais-valente-da-primeira-guerra-mundial-podia-voar/