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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Lavradores importantes em defesa do porto de Alcácer

alcacer zona ribeirinha norte.JPG

 

Queriam que D. João VI fechasse os portos privados existentes ao longo do Sado e defendiam a instalação de indústria em Vale de Guizo, Arapouco e Algarvios.

 

Há 199 anos. Um grupo de importantes proprietários de Alcácer do Sal resolveu escrever uma carta ao rei para expor o que, a seu ver, era necessário fazer para que esta terra se tornasse um dos mais importantes interpostos comerciais do País. Na sua opinião, isso ainda não tinha acontecido devido à ganância dos armazenistas privados existentes no concelho, que deviam ser impedidos de funcionar, porque retiravam movimento ao porto da então vila.

O rei era D. João VI, recentemente regressado do Brasil, e os ilustres alcacerenses, cuja relevância se perdeu na poeira do tempo, eram António de Mattos, Joaquim Soares Roza, José Rodrigues de Alves, António da Costa Pacheco e Joaquim José de Sá Borges.

alcacer ribeira.JPG

 

No documento, datado de 12 de janeiro de 1822, elogiam a muito vantajosa localização de Alcácer para a transação, tanto de géneros próprios da província do Alentejo e de Espanha - que eram consumidos em Lisboa - como de produtos coloniais para consumo no interior. Mesmo sem qualquer intervenção do governo, diziam, “a porta de Alcácer” já era um dos mais movimentados locais no que tocava aos cereais em grão, transportados através do rio Sado.

Entendiam que o comércio não era ainda mais vantajoso, porque os proprietários de Porto Rei e dos portos de S. Bento, Pocinho e Barrosinha recolhiam os bens ali descarregados, “cobrando tarifas que os mesmos impuseram”, “usurpando tributos de portagem só pelo simples ato de se carregarem e descarregarem nas margens do rio”, subtraindo esses valores “aos direitos reais e nacionais”, que os poderiam cobrar. Por este motivo, recomendavam que “os monopólios e as propriedades particulares deveriam desaparecer”, porque recebiam taxas que deveria ser a coroa – o bem público - a arrecadar. A situação então vivida também prejudicava os carreiros e os almocreves, que, fazendo vida do transporte de mercadorias, estavam dependentes das quantidades existentes nesses portos privados.

movimento na zona ribeirinha.JPG

 

Todo o comércio deveria então ser concentrado no porto da vila, podendo os cereais e outros géneros movimentar-se “sem se pagar coisa alguma”, cobrando-se apenas “por convenção o que cada um quisesse recolher nos armazéns” estatais.

Para contribuir para o sucesso dessa decisão, defendiam também o arranjo de estradas de ligação a Évora e Beja, e que se extinguissem alguns impostos e taxas locais, pois pretendiam “entradas e saídas francas”, bem como “ampla liberdade de comprar o que se quiser e como se quiser”.

Noutro campo, sugerem que os sapais desocupados deviam ser cultivados – prevenindo as águas paradas que prejudicavam a saúde da população – e apontavam as zonas de Vale de Guizo, Arapouco e Algarvios como excelentes para a instalação de fábricas, devido à abundância de água e de lenha, condições ideais para a produção de “vidros, cutelaria, ferragens, papel ou mesmo lanifícios e algodões”.

Desconhecemos se esta carta chegou a bom porto, ou se foi, de alguma forma, atendida com decisões reais. Sabemos que, nesse mesmo ano, a expensas da população alcacerense e fazendo uso de um imposto sobre o vinho, se levaram por diante obras nas estradas de acesso ao interior, mas também sabemos que, cerca de quatro décadas depois, entrou em funcionamento a linha de caminho-de-ferro do Alentejo, que retirou de Alcácer uma enorme fatia das mercadorias que aqui antes se escoavam através do rio, lançando o comércio local num declínio de que só viria a recuperar com o desenvolvimento da lavoura resultante das barragens e consequente plano de rega do Vale do Sado, em meados do século XX.

 

À Margem

Alguns importantes da terra, como se viu, contestavam que os senhores dos portos ao longo do Sadão (hoje Sado) dispusessem do rio como sendo seu. Menos de 20 anos após estes acontecimentos, Manoel Rodrigues Teixeira Pena, conseguiu autorização real para ter ainda mais poderes.

Em 1840, apesar de alguma renitência inicial da rainha, já então D. Maria II, aquele empreendedor obteve licença para construir, à sua custa e em terreno seu, uma ponte junto ao porto de São Bento, no concelho de Alcácer do Sal, com permissão para, durante quarenta anos. cobrar portagem a quem a quisesse utilizar.

As únicas exceções eram os “expressos do Governo, os condutores das malas do correio e os militares em serviço”. Todos os outros cidadãos pagavam 20 reis, mas se fossem a cavalo o trajeto custava mais 40 reis.

Iniciativas como a de Manoel Rodrigues Teixeira Pena, em que particulares se propõem levar por diante obras públicas, tornar-se-iam muito comuns, pois os cofres nacionais não tinham meios próprios para tal.

Quando, em 1843, o Governo assumiu o propósito de construir uma rede de estradas que, a partir de Lisboa, unisse o País de Norte a Sul, estipulou logo uma série de expedientes para obter o dinheiro necessário, começando pelo aumento de impostos. Os valores arrecadados, no entanto, não davam nem para começar, pelo que foi constituída a Companhia das Obras Públicas de Portugal. De pública, só tinha o nome, porque era constituída por um grupo de poderosos capitalistas que, como tantos depois deles, se substituíam ao Estado, cobrando muito e recebendo numerosos benefícios por isso.

Mas isso é outra história…

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Nota: as imagens são meramente ilustrativas de Alcácer do Sal, mas não correspondem à época retratada.

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Fontes

Arquivo Municipal de Alcácer do Sal

Carta a D. João VI sobre o porto de Alcácer do Sal

PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/02/02/001

Imagens

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/02/01/0063

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/02/01/0064

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/02/01/0066

 

Arquivo Histórico do Ministério Público

https://arquivohistorico.ministeriopublico.pt/

Parecer do Procurador Geral da Coroa, José Cupertino de Aguiar Ottolini, relativa à proposta de construção de uma ponte sobre o Rio Sado, por conta da Câmara Municipal de Alcácer do Sal.

PT/AHPGR/PGR/05/01/05/038

 

Biblioteca da Universidade do Michigan

Colecção de Leis e Outros Documentos Officiaes publicados no ano de 1840; 10ª série, Edição oficial; Imprensa Nacional; 1840 – Lisboa. Disponibilizado em

Colecção oficial de legislação portuguesa - Portugal - Google Livros

 

A Companhia das Obras Públicas de Portugal, de Maria Eugénia Mata; in Estudos de Economia Volume XIX, nº1, inverno 1999. Disponível em: 303770861.pdf (core.ac.uk)

 

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