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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Leis e multas de outros tempos

 

 

 

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Profissões, locais e hábitos que já não existem. O Código de Posturas que a Câmara Municipal de Alcácer do Sal aprovou e publicou em 1881 fala-nos de uma realidade que hoje nos parece estranha e até cómica.

 

Sabia que as pessoas eram obrigadas a participar nas montarias aos lobos e que cabia ao pregoeiro municipal, entre outras novidades, anunciar a chegada do peixe ao mercado da vila, bem como os objetos perdidos e achados?  Esta é uma viagem ao tempo em que ainda não havia água canalizada, as estradas eram em calçada ou macadame e as viagens se faziam a cavalo ou, na melhor das hipóteses, a vapor. São leis com 140 anos, que falam de Alcácer do Sal, mas poderiam falar de qualquer outra cidade com as mesmas características.

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O código de posturas que a câmara municipal daquele concelho alentejano lançou na década de oitenta do século XIX faz-nos o relato de uma realidade que já não existe, de profissões, hábitos e produtos dos quais poucos se lembram, porque, como qualquer legislação, contam-nos a história da época em que foi escrita, daquilo que era importante para aquela sociedade e quem eram os principais intervenientes na vida quotidiana.

Corria o ano de 1881. Francisco de Paula Leite, então presidente, fez aprovar e publicar o novo código de posturas, conjunto de regras destinadas a assegurar “os direitos, privilégios e regalias dos munícipes”, numa tentativa de regular a convivência entre os alcacerenses e os torranenses, já que a freguesia do Torrão havia sido integrada no concelho cerca de uma década antes e ainda não tinha leis pelas quais se pudesse orientar.

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O documento fala de espaços de comércio com designações caídas em desuso, como estabelecimentos de fazendas, casas de pasto, botequins e açougues. No mesmo sentido, refere-se a moleiros, forneiros, barqueiros, almocreves, carreiros e curraleiros, ofícios que hoje praticamente caíram no esquecimento. Refere também a curiosa figura do pregoeiro municipal, ao qual competia apregoar em seis pontos diferentes a chegada ao mercado do peixe ou de outros bens de venda imediata, assim como alardear qualquer aviso municipal quando não houvesse tempo de recorrer a editais; anunciar objetos perdidos e achados ou quaisquer vendas a pedido de particulares, que lhe pagariam esse serviço.

pessoas na outra margem.JPGO código dá grande importância às regras de circulação de veículos, nomeadamente proibindo o galope nas ruas e nas pontes, alongando-se em normas sobre gados lanífero, caprino, bovino ou suíno, multando os proprietários dos animais que fossem encontrados a vaguear no espaço público. O mesmo para os donos de galinhas, perus e patos a divagar pela vila.

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Também a venda de bens, com locais e regras muito próprias, a construção de edifícios, o ruído e a deposição de lixos e águas, são tidos em conta, embora aqui se perceba bem que os tempos eram outros. A título de exemplo, estipula-se que os vendedores de peixe devem varrer o sal, as vísceras e outros resíduos, e “lançarão a varredura ao rio”, algo que hoje não parece aceitável, não é?

O código já condena o conhecido hábito de despejar as águas domésticas pela janela, devendo estas ser depositadas nas valetas das ruas ou na carroça da câmara, se esta passar à porta. Já as estrumeiras, são permitidas apenas onde a câmara o determinar, não sendo permitido ter em casa mais do que uma carga de estrume.

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O cidadão podia, no máximo, ter dois porcos, cabras ou ovelhas no seu quintal e estava proibido de matar porcos e rachar lenha nas ruas de Alcácer, porque estes serviços deviam ser executados apenas nas travessas…Imagina-se o aparato envolvido.

Poucos de nós terão alguma vez sonhado participar em montarias para caçar lobos, mas fique sabendo que, há 140 anos, talvez porque esses animais abundassem e fossem uma ameaça, sempre que o administrador do concelho dissesse, todos os homens válidos eram obrigados a comparecer nessas batidas. Ficavam de fora apenas, empregados públicos e de quaisquer corporações, médicos, farmacêuticos e pastores.

Entre tantas regras que nos parecem estranhas, há, no entanto, algumas que ainda hoje fazem sentido. A obrigatoriedade de pintar e limpar as propriedades e os edifícios; o resguardo dos períodos de defeso na pesca e na caça; normas restritivas para queimadas; o respeito pela propriedade publica e privada ou a punição para quem conspurcasse as paredes com a escrita de nomes ou palavras obscenas, são algumas delas.

Resta dizer que grande parte das numerosas multas definidas no código não eram cobradas pela própria câmara, mas sim por indivíduos que arrematavam à edilidade o cumprimento dessa função, ficando com os valores reunidos para si e, desta forma, impondo eles próprios a lei e taxando os prevaricadores.

 

À margem

 

Em 1881, era Francisco de Paula Leite, o presidente da Câmara Municipal de Alcácer do Sal, secundado pelos vogais Joaquim Parreira Salgado, José da Costa Passos e Miguel Maria Esteves.

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Paula Leite, que assina a introdução deste código de posturas, fala de duas figuras à época ligadas a Alcácer do Sal, e que participaram na elaboração do documento: João Pacheco de Albuquerque, então delegado do procurador régio na comarca de Alcácer do Sal, que terá feito diversas e úteis alterações ao código e por aqui ficaria pelo menos uma década, assumindo também as funções de Juiz de Direito da Comarca; “o inteligente Cândido de Figueiredo, que exerceria as funções de “sindico” da autarquia.

Várias fontes asseguram que aquele foi conservador do registo predial e presidente desta câmara. Foi uma importante figura nacional: professor, filólogo e escritor, sendo autor do Novo Dicionário da Língua Portuguesa, entre numerosos estudos e também obras de ficção.

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Terá deixado amigos em Alcácer do Sal porque, quando a sua mulher morre, em 1882, são numerosos os alcacerenses a prestar-lhe homenagem. Maria Angélica de Andrade partiu vítima de tuberculose pulmonar, com apenas 42 anos. Apesar da pouca idade, deixou obra publicada e sobretudo muitas colaborações com a imprensa da época. Inconformada com o a educação e o papel reservado às mulheres do seu tempo – até porque teve duas filhas. Ficaria conhecida como “a poetisa do Sado”.

Mas isso é outra história…

 

 

Fontes

Código de Posturas da Câmara Municipal do Concelho de Alcácer do Sal; Coimbra – Imprensa Académica – 1881.

Nota: A pesquisa foi efetuada em exemplar adquirido pela autora, mas este documento existe noutro formato, no Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal.

 

Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal

Pesquisa Fundo COMARCA

 

Biblioteca Nacional de Portugal em linha

www.purl.pt

Cota: l-1670-13-p_0000

Catorze de novembro – comemoração do 1º aniversário do falecimento de Maria Angélica de Andrade; Tipografia do Diário de Portugal; Lisboa – 1883.

 

Portal da literatura

Cândido de Figueiredo - Portal da Literatura

 

Wikipédia

Mariana Angélica de Andrade – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

 

Imagens

Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0041

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0032

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0038

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0046

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0066

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0071

PT/AHMALCS/CMALCS/BFS/01/01/01/225

António Cândido de Figueiredo, * 1846 | Geneall.net

Nesta hora: Mariana Angélica de Andrade, "a poetisa do Sado"

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