Meloas de Palma inspiraram poetas
Talvez a especial doçura do fruto não tenha passado da imaginação de Joaquim Correia Baptista, um intelectual alcacerense do final do século XIX. Certo é que este garante terem as meloas de Palma inspirado versos de um reputado poeta setubalense.
Palma, a meio caminho entre Águas de Moura e Alcácer do Sal, ali onde começa o Alentejo, é tradicionalmente conhecida pela sua extensa área de montado e campos de arroz; por ter sido uma das maiores propriedades privadas do país, sede de morgado e condado; por receber caçadas reais e possuir um belo palácio ou ainda pela criação de cavalos, que ali chegou a desenvolver-se. Poucos saberão, no entanto, que no final do século XIX, Palma terá igualmente ficado célebre pela produção de meloas. Tão doces, tão doces, que chegaram a inspirar uma quadra do conhecido vulto setubalense Manuel Maria Portela, esse mesmo que dá nome à movimentada avenida que habitualmente, e de forma simplificada, designamos “da Portela”.
“Eu não cria se não fosse
Cousa já por mim provada
Que de terra tão salgada
Viesse cousa tão doce”
Os versos são transcritos no jornal “O Século”, pela mão de [Joaquim] Correia Baptista. O respeitado alcacerense, fundador do Museu Municipal Pedro Nunes e da Sociedade Filarmónica Progresso Matos Galamba, terá oferecido aquele fruto ao poeta e jornalista da outra cidade do Sado. Nas mesmas páginas, afirma que inicialmente se produziam em Palma melões, mas que, com o passar do tempo, se diversificou para a cultura de meloas.
Este fruto, originário de África e da Índia, só começou a ser semeado em 1700, com sementes trazidas da Arménia e na época ainda pouco conhecidas do grande público. Segundo Correia Baptista, rapidamente as meloas granjearam adeptos, tanto que se “exportavam” para Setúbal e Lisboa com grande sucesso.
Desconheço se esta foi uma das muitas novidades que o grande lavrador José Maria dos Santos trouxe para Palma. É que esta propriedade era gerida pelo também detentor de Rio Frio desde 1868 e passaria de forma definitiva para sua posse exatamente no mesmo ano em que “O Século” publicava a história das meloas (1897). A transação resultou do facto de o conde de Óbidos e Sabugal não conseguir pagar os valores respeitantes à hipoteca que recaía sobre aquelas terras, nem os montantes contratados com aquele que seria seu futuro dono e que comprou a dívida do conde. Palma e Moncorvo custaram a José Maria dos Santos a quantia de 75 contos.
E, se a herdade de Palma já era colossal quando a adquiriu, trataria de expandir o território com a aquisição de fazendas confinantes, aumentando grandemente a área de lavoura e, tal como em outros territórios sob o seu domínio, experimentando técnicas, equipamentos e produtos (adubos, por exemplo), modernos e inovadores.
Não seria, por isso, de espantar que a semeadura de meloas tivesse ali sido tentada por José Maria dos Santos, mas o curioso é que, em avaliação feita em 1878 aos bens ali produzidos, não é mencionado qualquer fruto, dando-se apenas destaque à produção de cereais, azeite e cortiça.
Talvez porque meloas não fossem a prioridade daquele que chegou a deter a maior vinha da Europa (Rio Frio); o maior olival do País (Machados) e a maior herdade de Portugal (Palma).
À margem
Não admira que Manuel Maria Portela e Joaquim Correia Baptista pudessem ter sido amigos, já que tinham muito em comum. Ambos exerceram, nas suas terras, diversos cargos, nomeadamente o de secretário das respetivas câmaras municipais. Ambos defenderam o património local, coligindo informação e objetos históricos, para que não se perdessem e pudessem ser apreciados pelas gerações vindouras. Ambos escreveram em jornais e estiveram também entre os fundadores de instituições de grande relevância. Manuel Maria Portela teria maior sucesso. Foi jornalista, escritor e poeta, com extensa obra publicada e musicada. Esteve na primeira linha no elogio público ao génio de Bocage e também ele tem sido reconhecido como grande vulto setubalense, homenageado no topónimo de uma importante avenida. Já o nome de Joaquim Correia Baptista, parece ter caído no esquecimento dos alcacerenses e poucos saberão o quanto lhe devem.
Mas isso é outra história...
Fontes
Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal
Jornal O Século
PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/02/001
17º ano, nº 5:592 – 8 ago. 1897
PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/02/002
17º ano, nº 5:606 – 22 ago. 1897
PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/02/003
17º ano, nº 5:648 – 3 out. 1897
http://vcp.ul.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=45&Itemid=122
Monografias alentejanas, de Pedro Muralha, Imprensa Beleza, Lisboa, 1945
Memórias da Herdade de Rio Frio, de Pedro Pereira Leite, 2009
José Maria dos Santos – O morgado da canita, de Conceição Andrade Martins, em https://www.academia.edu/1524452/José_Maria_dos_Santos_O_Morgado_da_Canita