Na imprensa (16): do ferro à "Gilette", a culpa é da senhora Potts
O que é que os ferros de engomar têm que ver com as lâminas de barbear? Têm muito. Ou melhor, têm Potts... Mary Florence Potts, a mulher que inventou o sistema que permite a rápida substituição das lâmina de barbear, com o intuito de encontrar solução para as dificuldades enfrentadas por quem tinha que passar a ferro, em meados do século XIX. Por aqueles tempos, tal labor era altamente penoso, para além de arriscado, pois os ferros eram pesadíssimos, aquecidos no fogão ou cheios com carvão incandescente, num processo lento que frequentemente terminava com dedos queimados e roupa chamuscada.
Ora, a engenhosa senhora Potts contribuiu muito para que essa labuta fosse mais simples.
Começou por aligeirar o material e alterar-lhe a forma. Dotou a chapa em contacto com a roupa com dois bicos - o que facilitava o acesso às zonas mais estreitas – e, embora esta continuasse a ser de metal espesso, o resto da estrutura era oca e com paredes finas. Em vez de metal maciço, o molde era depois cheio com alguma substância leve e má condutora de calor, como gesso, o que fazia com que o aquecimento não chegasse à mão.
Depois, teve a ideia genial de criar uma pega com várias bases destacáveis. Assim, em vez de ter de trocar de ferro ou esperar que este voltasse a aquecer no fogão, quem se dedicava a esta função podia ter várias bases a aquecer e, quando uma arrefecia, trocava rapidamente por outra, que encaixava na perfeição. Esta versão – presente neste anúncio português de 1883 – foi um verdadeiro sucesso exportado para todo o mundo.
Aliás, o sistema do cabo destacável que Potts inventou e patenteou em 1871 foi aproveitado pela Gillette em 1901 e continua a ser usado por milhões de homens. Tudo porque, aos 19 anos, Mary Florence Potts, nos confins do Iowa, provavelmente com uma gigantesca pilha de roupa para passar, não se conformou com as dificuldades da tarefa.
Os ferros inventados por esta norte-americana foram depois produzidos pela American Machine Company da Filadélfia e comercializados numa caixa de madeira onde se acomodava uma asa e três bases. Como seria de esperar, o sistema de encaixe foi aperfeiçoado para que a asa apenas servisse nas bases da mesma marca.
No nosso País, as mulheres – sim, era sobretudo a elas que estava destinada este trabalho muito bom para criar músculo – enfrentavam os mesmos problemas e devem ter batido palmas quando viram chegar às lojas estes ferros da senhora Potts, "os melhores e mais baratos" do mercado, apregoavam os representantes, José Ignácio Novaes e Cª (Chiado, 64) e Maciel Successor Fonseca (rua Larga de São Roque, 63 – hoje rua da Misericórdia). Esta, a histórica Casa Maciel (na imagem), começou por fabricar candeeiros e chegou a fornecer os que iluminavam as ruas de Lisboa. Resistiu mais de 200 anos. Em 2015, a falta de mão-de-obra especializada e a pressão urbanística foram-lhe fatais. Fazendo jus à robustez dos produtos que comercializa, reabriu em 2017 como Latoaria Maciel, na rua da Boavista, 6, também em Lisboa.
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Fontes
Biblioteca Nacional de Portugal em linha
www.purl.pt
Diário Illustrado
20º ano, nº3:814 - 16 dez 1883
https://en.wikipedia.org/wiki/Mary_Florence_Potts
http://www.cm-lisboa.pt/equipamentos/equipamento/info/casa-maciel-1
Imagens
Arquivo Municipal de Lisboa
http://arquivomunicipal2.cm-lisboa.pt
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/003/FAN/001516
Machado & Souza
https://vintagepaper.store/mrs-potts-sad-iron-fluting-machines-adv-trade-card-c1880-victorian-trade-card/
https://thebuzzshelter.wordpress.com/tag/sadiron/