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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Ninguém quer os ossos do Visconde

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Há pelo menos 20 anos que se sabe onde está o túmulo de António Caetano de Figueiredo. Só não foi já vendido e as ossadas de tão ilustre alcacerense colocadas numa qualquer vala comum, porque ainda não apareceu quem desse o valor pedido.

Quando morreu, nesse setembro de 1883, António Caetano de Figueiredo, 1º e único Visconde de Alcácer do Sal, era uma das pessoas mais respeitadas e abastadas deste concelho alentejano. Os seus restos mortais ficaram depositados no Cemitério de Nossa Senhora da Piedade, em Setúbal, onde se lhe juntaram a mulher e um irmão desta. Mais de um século depois, negociou-se a trasladação do túmulo para a terra natal, mas nada aconteceu. Aquele que chegou a ser o homem mais importante de Alcácer do Sal, reconhecido como benemérito até hoje, só não foi parar a uma vala comum, porque ainda não apareceu alguém interessado em adquirir o sepulcro.

Como não tinha filhos, o Visconde distribuiu herdades e outros bens por sobrinhos e afilhados, mas feitas que foram as partilhas, caiu no esquecimento.

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Em fevereiro de 2000, a Câmara de Setúbal faz publicar na imprensa anúncio onde comunica que, de acordo com o regulamento municipal em vigor, 24 jazigos abandonados prescreviam a favor daquele município.

Entre estes, estava o nº 73 do Cemitério de Nossa Senhora da Piedade, concessionado aos Viscondes de Alcácer do Sal e com último movimento registado em 1897.

O alerta chega a Alcácer. Logo, alguns responsáveis municipais na área da cultura e património encaram com interesse trazer para “casa” os ossos de tão ilustre homem, antigo presidente da câmara, provedor da Santa Casa da Misericórdia e fundador da mais antiga filarmónica do concelho, que conserva o seu nome.

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O então edil alcacerense comunica a pretensão ao seu congénere setubalense, pedindo apenas tempo para acertar pormenores. Do outro lado, recebe total disponibilidade para que o Visconde possa ser trasladado, oferecendo-se até o jazigo, degradado e sem grande valor arquitetónico, mas todo em pedra de lioz.

Realizam-se reuniões e deslocações a Setúbal. Estuda-se o local onde implantar o sepulcro de António Caetano de Figueiredo: no cemitério local ou num arruamento público.

Propôs-se a abertura de consulta a três agências funerárias, às quais competiria o transporte dos féretros, e a canteiros, encarregues de desmontar, laje a laje, o jazigo, coordenar o transporte, limpar, restaurar e remontar tudo já na outra cidade do Sado.

Falou-se até na possibilidade de abrir inquérito público para que fosse o povo de Alcácer a escolher onde repousaria o “seu” Visconde.

Adiantavam-se três possíveis localizações: o largo em frente à casa onde morou e que foi batizado em sua homenagem; a zona fronteira à coletividade que fundou ou na placa relvada do largo 25 de abril, uma das principais entradas em Alcácer, junto à ponte metálica sobre o rio.

Em novembro de 2001, o município setubalense informa ter aprovado, em abril desse mesmo ano, a tão falada trasladação dos restos mortais da família dos viscondes de Alcácer e a cedência de todas as peças arquitetónicas passíveis de recuperação do respetivo jazigo. Obviamente, todos custos deveriam ser suportados pelo congénere alcacerense.

No processo, só volta a haver informação sobre o tema em 2003, aludindo-se a uma reunião que não sabemos se se terá realizado, porque, depois dessa data, há um total silêncio. De um lado e do outro, de resto, alteraram-se os interlocutores e parece ter-se perdido a memória sobre o assunto.

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Face à indecisão, sabe-se que o jazigo já foi, em conjunto com outros, a hasta pública, não tendo surgido alguém interessado em adquiri-lo pelo valor proposto – mínimo de 15 a 25 mil euros - o que implicaria a alienação e consequente passagem das ossadas para uma zona subterrânea ou para área comum do cemitério: ilustres em vida e misturados com outros indigentes, na morte, sempre niveladora.

Para já, o Visconde de Alcácer, a sua mulher, Maria Paula Leite de Figueiredo e o irmão desta, Francisco Paula Leite (júnior), que também foi presidente da Câmara Municipal de Alcácer e figura proeminente na terra, continuam lá, à espera que alguém lhes queira dar uma última morada. Mas, até quando?

 

À margem

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O visconde de Alcácer do Sal morreu em Setúbal, no faustoso solar de sua propriedade situado na rua da Praia, atual avenida Luísa Todi. No edifício (na imagem), onde hoje está instalado o Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal, não há, que se saiba, qualquer menção a esta origem. António Caetano de Figueiredo tinha rumado àquela cidade procurando cura para os males de que padecia havia muito, mas nem os ares da serra, nem os banhos no Sado, o livraram do cancro que o vitimou em 6 de setembro de 1883, cerca de um mês antes de se cumprirem 74 anos sobre o dia em que havia nascido, na freguesia de Nossa Senhora do Monte (Vale de Guizo).

Maria Paula Leite de Figueiredo, morreu de ascite*, sete anos depois do marido. Filha de Francisco de Paula Leite, coronel das milícias locais, também presidente de câmara e filho de Dâmaso Xavier dos Santos, conhecido e importante lavrador e político liberal do Cartaxo.

No jazigo repousa também o cunhado do Visconde, Francisco de Paula Leite (júnior), filho do anteriormente referido e igualmente edil em Alcácer. Morreu de congestão pulmonar, em 1897.

Fica por explicar a identidade do grupo de pessoas que, segundo o velho guarda do cemitério, anualmente, durante décadas, visitava o sepulcro, depositando flores.

A este não teria, certamente, passado despercebido se fosse uma banda de música a tocar marcha fúnebre, como desejou para a eternidade o alcacerense Manuel Augusto de Matos, tendo até deixado herança para que se cumprisse tal homenagem ao homem que tanto tinha feito pela terra. De pouco lhe valeu a preocupação.

Mas isso é outra história…

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*A ascite ou 'barriga d'água' é a acumulação "anormal de líquido rico em proteínas no interior do abdómen, no espaço entre os tecidos que revestem o abdómen e os órgãos abdominais. A ascite não é considerada uma doença mas sim um fenómeno que está presente em várias doenças, sendo a mais comum a cirrose hepática".

Fontes

Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal

PT/AHMALCS/CMALCS/CAMARA/12/06A/02/002

 

Arquivo Municipal de Setúbal

Cemitério de Nossa Senhora da Piedade

Registo de inumações

 

Arquivo Distrital de Setúbal

Registos Paroquiais

Setúbal – Santa Maria da Graça

Informação recolhida junto do Sector de Cemitérios do Município de Setúbal

 

Bandas Filarmónicas (bandasfilarmonicas.com)

 

António Cunha Bento; Inês Gato Pinho, Maria João Pereira Coutinho, Património Arquitetónico (coordenação técnica), César Mexia de Almeida (investigação e texto) Civil de Setúbal e Azeitão, Setúbal, Estuário História, Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão, 2019.

 

Ascite: o que é, sintomas, causas e tratamento - Tua Saúde (tuasaude.com)

Revisão médica: Dr.ª Clarisse Bezerra, Médica de Saúde Familiar, setembro 2022

 

Imagens

Cristiana Vargas

 

Arquivo Municipal de Alcácer do Sal

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0409

A partir de Arquivo Pessoal de Fernando Gomes. Recolha efetuada no âmbito do projeto Notícias e fotografias de Alcácer do Sal - séculos XIX e XX, 2016

 

Edificio MAEDS - Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

Museu de Arqueologia e Etnografia de Setúbal - 2022 | Dicas incríveis! (dicasdelisboa.com.br)

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