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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Ninguém queria a Comporta…nem dada!

 

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Foram muitos e variados os esforços para vender, arrendar a preço de saldo ou, no mínimo, retirar algum rendimento daquela região inóspita, entre pântanos doentios e areias estéreis. Mas, nem oferecendo sementes e dinheiro ou isentando de impostos alguém tinha interesse no território que hoje conhecemos como Comporta. Uma rainha chegou mesmo a mudar-lhe o nome, na esperança de tornar aquela imensidão mais atrativa. Em vão.

 

A primeira tentativa de vender o Paul de Pera e Comporta, edifícios, arvores e terrenos adjacentes, terá sido em 1826. A enorme propriedade de 4,62 léguas quadradas sem préstimo havia passado para a Casa do Infantado com a extinção da Casa de Aveiro, em 1759. A colina a nascente do paul deveria ficar reservada para a construção de um aglomerado urbano a que se chamaria Vila Nova da Regente, em homenagem à jovem D. Maria II, que assumira o trono meses antes.

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Com o intuito de angariar habitantes, nomeadamente para o fomento da pesca, anunciava-se que estes não pagariam impostos. Quem se propusesse comprar a área, por outro lado, teria de manter a estrada até ao mar e tornar navegável a vala real, fazendo o prolongamento desta, de forma a escoar as terras e torná-las viáveis para a agricultura.

Aparentemente os resultados foram nulos. Quatro anos depois, já D. Miguel se havia assenhorado do trono, põem-se à praça os rendimentos do Almoxarifado do Paul de Pera e Comporta, o que se repetiu no mês seguinte, por não se ter logrado sucesso.

Regressa D. Maria II e com ela a intenção de vender.

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A necessidade urgente de obter dinheiro para as carências inadiáveis do Estado, aliás, obrigou a que se levassem a leilão todos os vastíssimos domínios da Casa do Infantado, a “joia da coroa”, composta pelas férteis lezírias do Tejo, mas também por outras sem interesse e de diminuto valor.

De entre estas, ressalta pela insignificância o Paul de Pera e Comporta: terras alagadiças e doentias nas margens do Sado e areais estéreis que se estendem até ao oceano. Não admira que, apesar das privações da governação, o processo tenha demorado tanto tempo.

Depois de discussões intermináveis sobre o modelo a adotar e o destino a dar ao dinheiro com o qual já se contava, decide-se vender por atacado os bens nacionais da Coroa, Infantado, Casa da Rainha e Patriarcal, fazendo-se, para isso, a sua avaliação.

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Como seria expectável, a Comporta apresenta o mais baixo valor: menos de 13 contos de réis - 12.279$200. Uma ninharia, comparando, por exemplo, com Samora e Belmonte, com avaliação de 240.959$600.

A transação global, com o custo base de dois mil contos de réis e a prometida isenção de impostos diretos e indiretos sobre as terras incultas, os utensílios, instrumentos e máquinas, consumar-se-ia em 1836, tendo-se apresentado apenas uma oferta, com origem em empresa criada para o efeito e com polémicas ligações ao próprio ministro.

Nos primeiros tempos, não parece que a aquisição tenha alterado o que quer que seja naquele território, para além da promoção da temida cultura do arroz, contrariando as disposições legais, que a chegaram a proibir, pela associação às febres, mas aproveitando o facto de ser a única que vingava naqueles inóspitos solos.

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Em 1857 publica-se o Relatório sobre o Reconhecimento feito ao Paul da Comporta “para o enseccar e cultivar” e onde se tecem considerações sobre a gestão desastrosa daquele território.

A Companhia das Lezírias do Tejo e Sado, de resto, concentrava atenções nos seus domínios mais vantajosos e dava mostras que não ter meios para lidar sozinha com as terras desta sua 5ª e última administração, anunciando o arrendamento das herdades, quintas e demais domínios do Paul de Pera e Comporta, bem como a estalagem e o apanho das bichas*, assim como se alienavam, nos anos seguintes, ações da própria companhia, procurando-se retirar rendimento também com a venda de murta, resina a extrair pelo comprador, madeira de pinho ali cortada e, já nas últimas décadas do século XIX, arroz e gado.

Os esforços para arrendar parcelas na Comporta ou a sua totalidade de forma estável e prolongada repetiram-se por vários anos. Em 1864 já se aceitava que o arrendamento fosse o mais conveniente aos interessados, “pelo tempo de três, seis ou mesmo nove anos”, o que se reiterou em 1869, várias vezes.

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Em finais de 1886, a administração garantia ter secado uma grande superfície de terrenos, tornando-os “muito saudáveis” e “de ótima qualidade” para receber “trigo, milho, legumes e horta”, com “excelente água de bebida e rega”, nos sítios denominados Lagoa Travessa (próximo de Carvalhal) e Pêgo do Inferno (hoje só Pego), junto ao mar.

Por aquela altura, a direção da Companhia prontificava-se a oferecer gratuitamente jeiras para os colonos que as pretendessem cultivar, podendo cada um tomar a superfície que lhe conviesse.

A ânsia de ver aquela área ocupada e a produzir era tanta que até se cediam pinheiros, caniço e junça para barracas, adiantando-se sementes e até dinheiro, arrendando-se “por módicos preços”, a superfície que desejassem para a cultura do arroz.

Novamente, os resultados não foram animadores.

Em 1904, finalmente, a lei passa a permitir a desamortização das terras e a sua transação em lotes. Em 1925 a Comporta é vendida à luso-britânica The Atlantic Company, que, nos 30 anos seguintes, começa a primeira grande transformação, intensifica a produção de arroz, constroi muitos edifícios, drenando terrenos para a agricultura e plantando pinheiros e outras espécies destinadas a melhorar os ares daquela que ainda era conhecida como a África metropolitana e continuaria, ainda por muito tempo, um lugar de difícil acesso e estadia, até ter chegado aquela célebre família que pôs a Comporta no mapa.

Quanto não valerão atualmente essas terras dadas ao desbarato e que, ainda assim, ninguém queria?

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À margem

Em 1839 era o próprio lugar de administrador do Paul da Comporta que se encontrava por ocupar, estando à disposição de quem apresentasse as melhores informações, devendo os candidatos ter alguns conhecimentos de contabilidade e sujeitar-se a um vencimento de 600$000 réis. Diga-se que, de uma forma geral, o administrador fixava residência em Setúbal e não nas terras que lhe cabia administrar, provavelmente pela falta de condições para tal.

Por esta altura, a Comporta era um pequeno lugarejo que tinha apenas estalagem, celeiro e ermida onde se dizia missa, para além de 60 pequenas casas, feitas a maior parte de colmo, num estilo próprio hoje imitado pelas barraquinhas de luxo que ali pululam.

Nem mesmo a missa era certa… Em 1843 pagava-se um ordenado anual de 100$900 réis ao capelão que se disponibilizasse a ocupar o lugar na Capela da Senhora da Saúde – evocação apropriada para uma zona insalubre - na Comporta, comprometendo-se a celebrar missa nos dias santificados. Esta lacuna na orientação espiritual dos poucos habitantes da zona volta a revelar-se cinco anos depois e ainda mais tarde, onde se especifica que a pessoa que se candidatar ao lugar deverá igualmente assumir as funções de professor de instrução primária, ter disponibilidade para viver no local e, preferencialmente, possuir conhecimentos de agricultura.

Sem dúvida requisitos difíceis de reunir num candidato só.

Mas, essa polivalência não era inédita. Cerca de duas décadas depois, o padre José António de Miranda assumia as funções de almoxarife do Paul de Pera e de Comporta, para além de negociar na cepa ali recolhida. Chegou mesmo a ser acusado de ter roubado 32 carradas deste produto.

Anos mais tarde, eram as vacas da Comporta que davam que falar. Aparentemente, foi ali desenvolvida uma raça específica, adaptada às difíceis condições do lugar e que prometia ter um futuro de sucesso.

 

Mas isso é outra história…

 

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*Presumo que alude à apanha da minhoca ou outro isco para a pesca.

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Fontes

Diário do Governo

18.06.1830, 27.07.1830,11.11.1835, 12.11.1830, 14.01.1836, 05.02.1836, 25.04.1836, 08.12.1837, 04.06.1839, 25.06.1839, 13.08.1839, 17.08.1840, 24.06.1842, 01.09.1843, 16.12.1843, 23.07.1847, 27.02.1851, 20. 04.1857, 28.03.1863, 30.03.1864, 27.07.1869, 12.08.1869, 14.11.1872, 02.08.1872, 12.02.1882, 13.08.1886, 19.10.1886, 07.01.1887, 01.06.1889, 19.07.1890, 09.01.1904.

Gazeta de Lisboa, nº152, 1826.

O Constituinte, 14.01.1888

 

 

Biblioteca Nacional

Esboço de uma carta reprezentando os terreno cultivados e incultos de Portugal para servir à melhor ... (bnportugal.gov.pt)

 

Arquivo Histórico Parlamentar, PT-AHP/CGE/CPET/S2/D103.

 

Biblioteca Municipal de Alcácer do Sal

Miguel Metelo de Seixas, Herdade da Comporta - Memória Histórica, Comporta, The Atlantic Company Limited, 1999.

 

Imagens

A Terceira Dimensão: Praia da Comporta

 

Arquivo Municipal de Alcácer do Sal

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