O administrador do concelho que era tio de Sacadura Cabral
Figura pouco estudada da história recente de Alcácer do Sal, reuniu consensos entre monárquicos e republicanos, mas merecia a crítica popular porque a sua criada atirava pela janela o conteúdo dos penicos da casa.
Henrique de Sacadura Freire Cabral. O nome diz-lhe alguma coisa? Provavelmente não, porque se conhecem poucas memórias públicas deste ilustre beirão que por Alcácer do Sal se fixou. Foi administrador do concelho pelo menos durante uma década e fez a inegável proeza de transitar sem beliscadura do regime monárquico para o republicano. Curioso é também descobrir que era tio de outro Sacadura Cabral, esse bem mais conhecido e que dá nome a uma importante avenida daquela terra.
Os registos não explicam, para já, o que levou Henrique a rumar a Alcácer, embora este seja referido igualmente como lavrador nesta região onde chegaram a trabalhar sazonalmente mais de 700 beirões, os “ratinhos”, mão-de-obra agrícola de grande valia. Há ainda outro documento em que é apontado como empreiteiro de obras públicas, num litígio relacionado com a pavimentação de uma estrada de acesso à povoação de Santa Susana, isto entre 1890 e 1898
Anos depois, surge em variada documentação assinando como administrador do concelho, o magistrado representante do governo central, garante da boa aplicação das leis e responsável pela autoridade policial.
Um cargo de carácter burocrático e algo repressivo, o que pode estar na origem do pouco reconhecimento dos alcacerenses para com Henrique de Sacadura Freire Cabral. No entanto, pode até ter sido devido a esta ligação familiar que Alcácer atribuiu o nome dos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral àquela que é uma das suas mais importantes artérias.
É que Artur Sacadura Freire Cabral, o oficial da Marinha Portuguesa que ficou conhecido por, em 1922, ter feito, em conjunto com Gago Coutinho, a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, era sobrinho do administrador do concelho, filho primogénito de um seu irmão, também chamado Artur.
O clã é natural de Celorico da Beira e, ao todo, Henrique de Sacadura Freire Cabral teve 13 irmãos. Não é de estranhar que exista registo de por Alcácer ter passado pelo menos outro elemento da família: Francisco Augusto Freire Cabral de Sacadura e Albuquerque, que ali exerceu as funções de subdelegado do Ministério Público, também no início do século XX.
Quanto a Henrique, já em 1908, o jornal Pedro Nunes criticava em tom jocoso o facto de a menina sopeira, que trabalhava para o “Capitão Sacadura”, atirar diariamente pela janela “líquidos e sólidos” aromáticos, que conspurcavam a rua e os transeuntes. Algo muito censurável, especialmente para quem, acima de todos os outros, deveria dar o exemplo.
O desagrado, contudo, não impediu, em 1910, dias depois de ter sido deposto, que Henrique fosse chamado pela Comissão Republicana, que assumiu o poder na Câmara Municipal após a queda da Monarquia, por se entender que ele era quem reunia melhores condições para continuar a administrar o concelho.
Casou com a conterrânea Maria do Patrocínio, com quem teve dois filhos. Morreu em Lisboa, a 1 de junho de 1939, poucos dias antes de completar 80 anos, e encontra-se sepultado no Cemitério do Alto de São João.
O filho, Ricardo, amanuense da Fazenda Pública, morreria cedo, com apenas 27 anos, numa casa da rua Direita, em Alcácer do Sal. A filha, Maria do Amparo, iria unir-se a outra família com nome sonante na terra: os Lara Alegre. Casou com Joaquim Alberto de Lara alegre, filho do conhecido médico Joaquim José Alegre, que dá nome a uma rua do centro histórico e que deixou basta descendência – nove filhos - alguma da qual ainda a viver naquela cidade alentejana ou com ela mantendo ligações.
À margem
Na época (1908) em que é relatado o episódio dos “líquidos e sólidos” aromáticos, Henrique Sacadura Cabral morava no emblemático prédio do arco do Coronel (e este, quem seria?), edifício hoje ocupado por uma albergaria abandonada (na imagem, o primeiro da direita), mas onde se cruzaram pessoas e acontecimentos relevantes para a história recente de Alcácer do Sal. Em meados do século XIX, ali residia Manuel José Ponce, que pediu autorização para fazer um cais em frente à sua morada, de modo a facilitar a recolha dos produtos que diariamente recebia por rio. Ali teve lugar, já em 1890, o primeiro comício republicano realizado na então vila de Alcácer do Sal, tendo o espaço sido cedido por José Godinho Jacob. Este comerciante e industrial, que chegou a ser também presidente de câmara, fez gravar na fachada as suas iniciais e a data 1894 (ainda visíveis) e ali viveu com a mulher, Emília Vila Boim. Pelo menos mais dois presidentes passaram pelo prédio do Arco do Coronel: António Xavier do Amaral e o seu filho, Carlos Xavier do Amaral, que ali residiram já no século XX. Paredes meias com este imóvel, existe outro igualmente importante e devoluto: o denominado "clube dos ricos", onde os lavradores e políticos se reuniam para discutir negócios e jogar à batota, mas também se chegaram a realizar bailes de debutantes para apresentar as moças casadoiras de boas famílias à sociedade local.
Mas isso é outra história…
Fontes
Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal
PT/AHMALCS/CMALCS/COMARCA/DELPROCURADORIA/01/02
PT/AHMALCS/CMALCS/EXTERNO/02/05/001
PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/02/01/001
PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0077
Por unknown authorship - http://www.vidaslusofonas.pt/sacadura_cabral.htm, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=7304818