O aeronauta português que é um herói em Cuba
A sua história trágica deu origem a centenas de versões e especulações. Foi escrita, cantada, homenageada em banda desenhada e selos de correio. Até hoje, voar como Matias Perez é sinónimo de desaparecer sem deixar rasto.
Matias Perez era conhecido em Havana como “o rei dos toldos”, mas ficou na história por ter subido aos céus de Cuba num balão de ar quente. O intrépido aeronauta do século XIX era afinal português e o seu desaparecimento trágico transformou-o num verdadeiro herói, dando até origem a uma expressão idiomática usada ainda hoje.
“Voou como Matias Perez” significa que algo se perdeu para sempre, que não tem remédio, que desapareceu. A frase, repetida incontáveis vezes, de geração em geração, perdura no folclore cubano até à atualidade. Mas, afinal, quem foi Matias Perez (Peres na origem)?
Terá nascido no nosso País em lugar não apurado, cerca de 1825. Foi marinheiro e fabricante de velas para embarcações.
Tais atributos foram a sua porta de entrada para o comércio de Cuba, pois transferiu os conhecimentos de corte e costura de tecidos e telas para a confeção de coloridos todos, uma das imagens de marca da Havana de então, pois, as estruturas adornavam as fachadas as lojas, ao mesmo tempo que protegiam os transeuntes e as montras do impiedoso sol caribenho.
Terá rumado às “américas” com pouco mais de vinte anos, em busca de melhor sorte, de uma vida mais risonha do que a possível em terras lusas por aqueles tempos. Fixou-se na rua Neptuno e devia ser bom no que fazia, pois rapidamente todos o conheciam como “o rei dos toldos”, angariando uma farta e endinheirada freguesia.
Mas, a sua paixão era voar…e dar nas vistas.
Tomou conhecimento com o aeronauta francês Eugene Godard, que se havia deslocado em tournée para mostrar as suas ascensões em balão, algo muito em voga na época e por toda a Europa.
Participou em vários voos, apanhou alguns sustos, tornou-se colaborador do veterano balonista e acabaria por comprar um dos aparelhos (o Villa de Paris), conseguindo também muita informação e conhecimentos sobre como manobrar os aeróstatos.
Daí que, quando pediu autorização às autoridades para realizar umas elevações em balão de mote próprio, facilmente a obteve. Parte dos bilhetes angariados reverteriam para a caridade.
A primeira tentativa, a 12 de junho de 1856, correu muito bem. O dia estava esplêndido e Matias Perez andou ao sabor do vento suave cerca de duas milhas, até tocar o solo, com excessiva rapidez, mas incólume.
Isto deu-lhe ânimo para repetir a proeza.
Desdobrou-se em entrevistas, divulgação e, como a estreia tinha sido tamanho êxito, no dia 29 de julho toda a Havana se acotovelava no Campo de Marte e arredores. Uma multidão indistinta de populares e toda a fina sociedade, políticos e outros altos dignitários quiseram ver o português voador.
Na realidade, as condições atmosféricas não convidavam a altos voos. O bom senso aconselhava ao cancelamento e Matias Peres deve ter percebido isso, pois fez atrasar o momento da descolagem.
Mas, o seu ego, o não querer perder aquele momento de triunfo, nem desapontar os milhares que ali haviam acorrido para o ver “brilhar”, fizeram-no arriscar, já o sol descia no horizonte.
Elevou-se e depressa se afastou rumo ao vazio, enquanto discursava dedicando a façanha às mulheres cubanas.
Ainda foi avistado de terra e do mar, mas esfumou-se sem deixar rasto pouco depois. Embora o governador da ilha tenha ordenado buscas e envidado todos os esforços para o localizar, nunca mais ninguém lhe pôs os olhos em cima, nem foram encontrados vestígios do balão.
É claro que tão público e extraordinário desaparecimento transformou o nosso Matias Perez num verdadeiro herói, uma celebridade póstuma, frequentemente aludido como o precursor da aeronáutica em Cuba, o que nem é verdade.
A sua viagem trágica foi, desde aí, fantasiada vezes sem conta. Deu origem a canções, histórias de banda desenhada e inúmeras versões.
O seu nome foi usado em postais, selos, carimbos comemorativos e como trunfo publicitário, batizando até uma marca de chocolates, tal a fama e notoriedade que ganhou ao longo dos últimos 165 anos.
Como bem diz o conhecido ditado, tão português como Matias Perez, “Se queres ser bom, morre ou vai-te!”.
Foi isso que este nosso conterrâneo fez… em grande estilo.
À Margem
Em Portugal, se excluirmos outras experiências anteriores, como as do padre Bartolomeu de Gusmão, o primeiro voo de balão realizou-se em 1819, pela mão do francês Guillaume Eugène Robertson, (entre nós conhecido como Eugénio Robertson). Na época, os pioneiros das viagens em balão andavam de país em país arriscando a vida para gáudio de milhares que assistiam extasiados a tais feitos.
Foi assim também com aquela que terá sido a primeira mulher a elevar-se em balão a partir de solo nacional - Bertrande Senges, em 8 de junho de 1850 – e com o casal Poitevin que, no verão de 1857, fez furor efetuando várias elevações, no Porto, em Coimbra e em Lisboa.
Na Capital, o local escolhido foi a praça de touros então existente no campo de Santana (atual Campo dos Mártires da Pátria), onde ficou especialmente registada a coragem de D. João de Menezes.
Foi no dia de aniversário de D. Pedro V e, quando todos recuaram apavorados, o fidalgo, conhecido pela sua bravura no toureio, ofereceu-se para participar na ascensão do balão.
Conta quem viu, que saltou para a barquinha, com a mesma placidez com que entrava nos cestos de balanço da Floresta Egípcia ou montava a cavalo nas múltiplas corridas em que se exibiu. O balão atravessou o Tejo e viria a pousar sem incidentes numa quinta perto de Sarilhos Pequenos (Moita).
Quanto a D. João de Menezes, este episódio só serviu para marcar mais pontos no livro da sua audácia, já tão conhecida na arena e nos diversos duelos em que participou, frequentemente em defesa de uma qualquer dama que lhe havia ganho o momentaneamente o coração ou apenas a preferência como bailarina no palco do S. Carlos…
Mas isso é outra história...
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Já aqui antes falei de outros aeronautas: O poeta que criava máquinas voadoras - O sal da história (sapo.pt)
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As imagens são meramente indicativas.
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Fontes
Lisboa d’outros tempos – I Figuras e scenas antigas , de Pinto de Carvalho (Tinop); editado pela Livraria de António Maria Pereira; Typographia e steeiotypia Moderna; Lisboa – 1898. Disponível em:
Texto de Viriato Teles em:
A história incrível de Matías Perez (viriatoteles.net)
Translated Poe, de Margarida Vale de Gato, editado pela própria e por Emron Esplin; Centro de Estudos Englísticos da Universidade de Lisboa; publicado por Lhigh University Press; Copuplicado pelo The Rowman and Littlefield Publishing Group, citando J. Diniz Ferreira, em A Aeronáutica Portuguesa, Lisboa - 1961
O primeiro está disponível aqui:
Translated Poe - Google Livros
Flew away like Matias Perez. Curiosities - CMBQ Radio Enciclopedia
Exposición-500-años-de-conocimiento-Cuba-Portugal-Torre-do-Tombo_pdf.pdf (casamericalatina.pt)
robertson - desafios (google.com)
Matías Pérez (balonista) – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
Louise Poitevin – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
Bertrande Senges – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
imagens
https://www.ecured.cu/index.php?curid=185724
Matías Pérez no fue el primero, aunque sí el más famoso | Excelencias del Motor
matias perez cover.jpg (441×582) (usc.edu)