O balão pouco dirigível e a tragédia da Olívia
O dia estava magnífico e nada fazia prever os desaires que marcaram aquele 1 de outubro de 1905. Em Cascais festejava-se o fim das Grandes Regatas, enquanto em Lisboa se ansiava por ver elevar-se nos ares um gigantesco dirigível, que pôs todos a sonhar…por pouco tempo.
A expetativa era imensa. Não havia memória de, por estes lados, se ter visto erguer um exemplar daquela espécie de charuto insuflável com 18 metros de comprimento e quase metade disso de diâmetro. Iria subir a partir do novíssimo Velódromo da Palhavã, inaugurado poucos meses antes na área onde hoje se vê a praça de Espanha e que então era o local da moda para os lisboetas.
A Capital já tinha visto muitos balões, mas estes novos objetos voadores eram mais modernos e permitiam, em teoria, melhor controlar a direção a seguir, para além de terem meios próprios de propulsão, neste caso, um motor de 20 cavalos.
Os preparativos, bastante exigentes, começaram manhã cedo, tendo papel ativo o “engenheiro de aeróstatos” Adrien. Marcherand (ou Moucherand).
Só às duas da tarde se abriram as portas para deixar entrar a muita concorrência, que aguardava por um vislumbre da fantasia de voar. A ansiedade era aguçada pela espera, uma vez que o espetáculo chegou a estar previsto para a semana anterior, sendo adiado devido à chuva.
Desta vez, o dia estava esplendoroso!
Três horas e 15 minutos depois, ao som da música que se tocava nos dois coretos, o dirigível do senhor Felix Hansen fez a sua ascensão, deixando todos de nariz no ar, seguindo avidamente os seus movimentos.
A ilusão foi efémera.
Em pouco tempo, seguiu para sul, empurrado pelo vento. Inesperadamente, com uma guinada funesta, caiu no Tejo, quase em frente à zona de Santos.
Salvou-se ileso o aeronauta, que golpeava desesperadamente a enorme barriga voadora para a esvaziar e não ser arrastado para mais longe.
Embora encharcado e de orgulho ferido, foi resgatado pelos botes dos arrais José Rodrigues e João Durão, que ali passavam e se apressaram a socorrer o ocupante do afinal, pouco dirigível balão.
Foi o último voo do imponente aeróstato, que custara 2.500 francos, mas ficou inutilizado após a experiência lisboeta.
O ocupante, no entanto, teve mais sorte do que os homens que viajavam na chalupa Olívia: foi abalroada pelo Markgrat, nesse mesmo movimentado dia 1 de outubro de 1905.
Já de noite, perto de Monte Estoril, o vapor alemão não viu a ténue luz de gás acetileno da proa, a única que pequena embarcação trazia...
Manuel Secundino de Medina, comerciante; José Mateus, espingardeiro do guarda municipal, António de Portugal e Andrade Kuchembuck Villar, alferes da mesma corporação; Manuel Couto, arrais, e o filho deste, José, regressavam de Cascais, onde tinham assistido às grandes regatas. (na imagem, a “Olívia” antes do naufrágio).
Ninguém os socorreu e desapareceram nas águas.
Escapou com vida apenas José Mateus Ferreira, resgatado do mar pelo vapor Colombo. Estava já perto do Cabo Espichel, para onde havia sido levado pelas correntes marítimas, agarrado com unhas e dentes ao mastro da chalupa, ainda tristemente engalanado com as cores da festa a que assistira. Foi o que lhe valeu.
À margem
O Velódromo da Palhavã foi inaugurado em 14 de maio de 1905, no espaço deixado vago pelo Jardim Zoológico e de Aclimação de Lisboa, que se transferira para a Quinta das Amoreiras, onde ainda se situa.
Representava a modernidade e a chegada de novos hábitos à capital portuguesa. Tinha uma pista revestida a cimento, com um perímetro de 333,33 metros, com curvas desenhadas para permitir a estonteante velocidade de 80 km/h, em bicicleta!
Tinha uma tribuna real, coretos, palanques, camarotes e bancadas - onde também se assistia em pé, mas em plano inclinado, para que a visibilidade fosse garantida a todos - para além de um restaurante com terraço de onde igualmente se presenciava a atividade desportiva em curso.
Surgiu da iniciativa privada de José Eduardo d’Abreu Loureiro, Fernando Belard da Fonseca e Frederico Carlos Rego e, durante os cerca de 20 anos de atividade, foi um local onde a sociedade endinheirada se reunia, para ver, mas também para participar em provas de hipismo, ciclismo, motos, automobilismo e, como já se viu, ascensões de balões, umas mais bem-sucedidas do que outras.
D. Carlos, ele próprio um entusiasta da velocipedia, teve até aulas, com um professor muito especial.
Mas isso é outra história…
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Já qui antes falei do aeronauta português que é um heroi em Cuba. Esse desapareceu nos ares.
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Fontes
Hemeroteca Municipal de Lisboa
Diário Illustrado, 24.09.1905; 01.10.1905; 02.10.1905; 03.10.1905; 13.10.1905.
llustração Portugueza, 09.10.1905
O Occidente, 30.07.1905
Restos de Colecção: Velódromo da Palhavã (restosdecoleccao.blogspot.com)
Imagens
llustração Portugueza, 09.10.1905
O Occidente, 30.07.1905