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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O dia em que mataram o administrador do concelho

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 O assassinato, em plena tarde e numa das mais movimentadas ruas da então vila, provocou grande agitação pública. Assim se finava um dos mais importantes homens do seu tempo, membro de uma linhagem onde se contam, por exemplo, o médico Francisco Gentil ou o cavaleiro tauromáquico João Branco Núncio.

 

Alcácer do Sal, 1902. Pouco passa das 15 horas do dia 19 de junho. O administrador do concelho caminha na rua, cumprimentando quem passa. Procura as sombras e opta provavelmente pela rua da Regueira ou outra igualmente movimentada e sombria, porque o sol alentejano é inclemente àquela hora. É interpelado por um homem. Aparentam idades próximas, 60 e muitos, talvez 70 anos. Parecem conhecer-se, mas o segundo empunha uma carabina que, sem demoras, dispara, ferindo gravemente o primeiro. Dois dias depois, João Alves de Sá Branco finar-se-ia em resultado dos ferimentos, sem que se percebesse o que levou Pedro Maria Cantarino a atingir fatalmente alguém a quem deveria muitos favores. A morte do homicida, no dia seguinte, calou para sempre as razões do crime.

Estranha-se porque não foi imediatamente preso e divergem os relatos sobre a forma como morreu: suicídio, linchamento popular ou vingança.

O Diário Ilustrado afirma que o assassino, ameaçado de linchamento pelos populares, disparou sobre si próprio e faleceu no próprio local. O cadáver teria sido transportado sem demoras para o cemitério, por ordem do juiz da Comarca.

O registo de óbito contraria esta versão, mas é escasso em explicações: aquele homem, de 66 anos, seareiro de profissão, apareceu morto em sua casa, no primeiro andar da primeira casa da antiga rua do Outeiro, atual rua Acácio Abreu Faria.

Já o jornal Pedro Nunes, numa extensa homenagem a João Alves Sá Branco publicada quando se assinalavam três anos sobre o funesto acontecimento, adianta que, no seu leito de padecimento, o rico lavrador terá perguntado muitas vezes porque se teria matado “aquele doido”, já que ansiava, em delírio, poder questioná-lo sobre o motivo de tão violento ato vindo de alguém a quem tantas vezes terá ajudado.

Perguntas que ficam sem resposta, mas que, certamente, foram alvo de tremenda especulação na pacata Alcácer do início do século XX. É que o crime, numa das mais centrais artérias da vila, provocou grande alarme público e verdadeira comoção, não só localmente.

João Alves de Sá Branco, então com 71 anos de idade, era uma das mais poderosas e ricas figuras do seu tempo na sociedade alcacerense da época, mas também se relacionava nas mais altas esferas do país, nomeadamente com a família real.

Não é de estranhar que, segundo relata o mesmo jornal, tenham chovido telegramas e visitas de pesar pelo trágico fim deste político, lavrador e amante de tauromaquia. O muito concorrido funeral foi classificado como “extraordinário, imponente, espontâneo”.

Hoje poucos saberão quem foi este homem, homenageado na toponímia da atual cidade. O apelido, no entanto, denuncia que faz parte de uma linhagem que deu muita gente ilustre a Alcácer do Sal.

O seu pai, António Lopes Branco, natural do lugar de Cepeda, freguesia de Sarraquinhos, Montalegre, viria a casar com uma alcacerense, Maria Augusta da Silva e Sá. Aqui se fixou e criou família que, entre os seus membros mais distintos, conta com Francisco e José Gentil, distintos médicos, João Soares Branco, engenheiro e ministro ou João Branco Núncio, cavaleiro tauromáquico e neto de João Alves de Sá Branco.

 

À margem

João Alves de Sá Branco era uma das mais influentes figuras de Alcácer do Sal, mas mover-se-ia também nas mais altas esferas do país. Contam os jornais da época, que privaria com D. Carlos e, antes deste, com o seu pai. Era cunhado de António Caetano Figueiredo, o 1º e único visconde de Alcácer, que ganhou o título precisamente por mercê de D. Luís, em 31 de maio de 1871. Era igualmente reconhecido como aficionado e entendido em tauromaquia, organizando amiúde touradas ou meras “tentas” entre amigos, nas suas terras. A festa brava era, aliás, uma paixão de toda a família.

Não será, pois, de estranhar, que este clã tenha dado origem àquele que é considerado por muitos como o maior cavaleiro tauromáquico português de todos os tempos. João Branco Núncio, o “Califa de Alcácer”, que tinha só um ano quando o seu avô morreu, mas que se estreou nas arenas com 13 anos de idade.

Mas isso é outra história…

 

Fontes

Jornal Pedro Nunes nº 34, de 21 de junho 1905 – Agradecimentos a Maria Antónia Lázaro.

www.tombo.pt

Biblioteca Nacional Digital

http://purl.pt

Diário Illustrado

31º ano; nº 10524 - 22 junho 1902

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