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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O inigualável fascínio de Onofroff

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Os portugueses renderam-se ao fascinador da moda, enchendo os seus espetáculos, hesitando entre o medo e a admiração por tão estranhos poderes para controlar as mentes alheias. O vocabulário “onofroffriano” encheu os jornais e até a política.

 

Noite após noite, em salas esgotadas, o público ficou boquiaberto, deslumbrado, agarrado a todos os movimentos daquele homem jovem e delicado. Presos ao seu olhar magnético e às suas manobras de hipnotismo, sonambulismo, magnetismo e transmissão de pensamentos, que arrancavam suspiros angustiados das plateias, onde até se verificaram desmaios. Foi assim, no inverno de 1894, quando passou por Portugal o mais aclamado fascinador daqueles tempos. Mas, se no nosso País, sem qualquer drama, se multiplicaram experiências paralelas, de desafio e até troça aos dons de Onofroff; em Espanha, chegou a haver confrontos físicos e a igreja conseguiu que as sessões fossem proibidas, obrigando o prestigiador a rumar à América Latina.

Real coliseu de lisboa.jpg

Não há como a bonomia portuguesa para estes assuntos. Por cá, o sucesso foi retumbante e pacífico. Enrique Onofroff, que havia firmado meia dúzia de atuações com a Companhia Alegria para se apresentar no Real Coliseu, da rua da Palma, viu o seu contrato sucessivamente renovado e só depois de mais de um mês a encher salas em Lisboa – ainda atuou no Coliseu dos Recreios, partilhando o palco com a sua mulher – é que rumou ao Porto, para novos triunfos.

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A estreia deu-se a 30 de janeiro, com grande expetativa suscitada pelas notícias dos jornais e pela fama que precedia o fascinador. Ninguém quis faltar e até a primeira sociedade lisboeta, nem sempre entusiasmada com estes divertimentos populares, fez questão de marcar presença neste “espetáculo curiosíssimo e de sensação”, ou não fosse a “mais extraordinária novidade da época”.

As opiniões dividiam-se sobre os “truques” preferidos, mas obviamente que as experiências de hipnotismo encantavam a assistência. Não há nada como ver um nosso semelhante fazer uma triste figura, imitando animais, tremendo de frio ou despindo-se devido ao calor, só porque um estranho lhe colocou as mãos nos ombros e, assim, tomou controlo da sua mente.

Foi enchente atrás de enchente. algo surpreendente, se tivermos em conta que o Real Coliseu dispunha de 3650 lugares mais 38 camarotes. Um sucesso de bilheteira nunca visto e que deu bom dinheiro a ganhar a Onofroff e aos empresários.

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E, era tanto o público que procurava assistir, que roçava o ridículo ler sucessivos anúncios do “irrevogável” último espetáculo, que no dia seguinte eram desmentidos por mais uma apresentação.

E, houve muito quem quisesse “cavalgar a onda” dessa notoriedade. O ator J. R. Chaves, apregoando ser o único rival de Onofroff, mostrava-se com idêntico reportório no Teatro do Príncipe Real. No Circo da Ribeira Nova, eram os palhaços Tonino e Antonette que brilhavam com uma “paródia a Onofroff”, enquanto a revista Olaré Quem Brinca, com sessões no Teatro do Rato, criou um novo quadro intitulado “O Onofroff da política”, isto quando os jornais já usavam o vocabulário “onofroffiano” como metáfora para a realidade, dizendo que o governo tentava hipnotizar a oposição e outras pérolas semelhantes.

Por cá não há notícia da classe médica ou da Igreja terem perdido o sono com o célebre fascinador, que até convidava os clínicos a assistir. No país vizinho, por outro lado, chegou a haver cenas de pugilato, com os espetadores divididos entre crentes e céticos quanto aos talentos do homem em palco.

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O mais grave, no entanto, foi que o bispo de Madrid e a Sociedade Espanhola de Higiene não descansaram enquanto o seu “trabalho” não foi avaliado pela Academia de Medicina, que acabaria por decidir pelo cancelamento dos espetáculos, alegando riscos para o público participante em tais experiências e decretando que a hipnose deveria manter-se na esfera médica, pois era perigosa em mãos leigas.

Talvez por isso, Onofroff, que então tinha apenas 31 anos de idade e afirmava ter estudado medicina e psicologia, em Roma, rumou à América Latina, por lá permanecendo com grande êxito em vários países.

Se o público o seguia onde quer que fosse, também a polémica era inevitável, porque nem tudo foram rosas do outro lado do oceano. Em Santiago do Chile foi preso por fraude, tendo acontecido o mesmo em Lima, no Peru, quando um dos hipnotizados não regressou desse estado, por muito que Onofroff o tentasse recuperar.

 

À margem

Ao contrário de Stuart Cumberland, que se apresentava sobretudo em grupos restritos da alta sociedade, Onofroff trabalhava para o grande público, enchendo salas com grande facilidade. Acabaria por ser visto também por alguns nomes sonantes, como a rainha Vitória ou o conhecido escritor Oscar Wilde, quando passou por Londres, em 1890. Impressionou o poeta nicaraguense Rubén Dário, que o apoiou quando as autoridades científicas do País questionaram a veracidade da atuação de Onofroff, em 1895.

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O fascinador teve uma carreira longa, praticamente até 1930. Assim, em 1920,  já no regresso à Europa, deslumbrou o jovem Salvador Dali, que o viu em Figueras, quando era ainda um adolescente.

O pintor espanhol, aliás, baseará muitas das suas bizarras obras num universo de sonho e onirismo que bem poderia ser inspirado num estado de hipnose ou confusão mental como aquele que o fascinador sugestionava nos seus públicos.

 

Mas isso é outra história…

 

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Para saber mais sobre esses fascinadores de outros tempos:

O homem que leu os pensamentos do rei…e de quem mais lhe pagou para isso - O sal da história (sapo.pt)

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Nota: tal como em 1894, o nome Onofroff ainda "vende". Assim, ao longo dos tempos, houve quem se aproveitasse desse facto. Pelo menos dois homens intitularam-se Onofroff, um nos anos 40 do século XX e e outro na atualidade. Ambos se dedicam à mesma atividade, mas não com o mesmo sucesso.

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Fontes

Hemeroteca Digital de Lisboa

Diário Illustrado

30 jan. 1894 a 04 mar. 1894

19 mai 1894

 

Xaqueline Estévez Gil; David Simón Lorda; Jessica Otilia Pérez Triveño; María Victoria Rodríguez Noguera; Manuel Fernández de Aspe, Hipnotismo, Medicina y Psiquiatría en Galicia a Finales del Siglo XIX y Primeros Años del XX (del dr. Sánchez Freire al Ilusionista Hipnotizador Onofroff), in História interdisciplinar da loucura, psiquiatria e saúde mental VII (ed.  Ana Leonor Pereira, João Rui Pita),Coimbra, Sociedade de História Interdisciplinar da Saúde – Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra /Grupo de História e Sociologia da Ciência e da Tecnologia, 2017. Disponível aqui: HILPSM VII NOVO (uc.pt)

 

Texto de Victor Ramés, em:

Fama y descrédito de Onofroff, el hipnotizador (Segunda Parte) - Diario Alfil (www-diarioalfil-com-ar.translate.goog)

 

Don Quixote: jornal illustrado de Angelo Agostini - Google Livros

 

 

Restos de Colecção: Real Colyseu e Paraizo de Lisboa (restosdecoleccao.blogspot.com)

 

Imagens

Diário Illustrado

03 mar. 1894

 

Onofroff Ilusionista hipnotizador Telepatia Artista Ca. 1900 Foto Assinada | eBay

ONOFROFF, EL HIPNOTIZADOR CON “OJOS TERRIBLES” (elsantiagoquenuncaaburria.blogspot.com)

Cartel teatro conservatorio manresa. 1929. fasc - Sold through Direct Sale - 44899425 (todocoleccion.net)

Arquivo Municipal de Lisboa

Eduardo Alexandre Cunha

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/ACU/001109

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