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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O pedido a Salazar

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O grupo de importantes da terra, representando a lavoura e o poder político local, encontrou-se com o presidente do Conselho, mas não levou o presente preparado.

 

A 5 de dezembro de 1951 realizou-se a cerimónia que serviu para batizar a barragem Vale do Gaio com o nome de António Trigo de Morais. Foi a primeira vez que, em Portugal, foi dado a uma obra executada pelo Estado o nome de quem a estudou e dirigiu. Tudo porque, meses antes, um grupo de alcacerenses se dirigiu a Lisboa para pedir ao próprio presidente do Conselho que se fizesse tal homenagem ao engenheiro que consideravam o grande obreiro das barragens, que tanto contribuíram para a expansão da agricultura na região e, em particular naquele concelho alentejano.

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São esses notáveis da terra que vemos nesta imagem, rodeando outro António, este Oliveira Salazar, ao centro. São lavradores, proprietários, grandes rendeiros e, de uma forma geral, pessoas com peso político a nível local: Abel Amaral (gerente do Grémio da Lavoura de Alcácer do Sal); António e Carlos Xavier do Amaral, pai e filho, que exerceram funções na presidência da câmara; Aníbal Rosa Dourado, Filipe José Vilhena; Joaquim e João Branco Núncio (presidente do Grémio da Lavoura de Alcácer do Sal); José Manuel Fernandes; Domingos Tavares São Bento; José Fernandes Lince; João da Costa Passos; João Lança; João Carvalho Vacas; Henrique Louro Fernandes e Henrique Núncio Mendes, entre outros.

Não sei se levaram consigo algum produto representativo ou oferta simbólica ao poderoso governante, mas esteve prevista a entrega de uma pequena caixa em madeira (azinho, de Alcácer) na tampa da qual estavam coladas espigas e grãos de cereais (trigo e arroz), cortiça e sal e que continha dois pequenos sacos em tecido com terra de cada uma das barragens (à época ainda denominadas Salazar e Vale do Gaio). No último momento, inexplicavelmente, esta ideia não seguiu em frente, mas a iniciativa surtiria o efeito desejado.

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A barragem já iniciara funcionamento em 1949, mas no dia do seu batismo, dois anos depois, a solenidade foi amplamente divulgada, e nela marcou presença uma importante comitiva na qual se contavam três ministros e dezenas de outros altos dignitários.

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Quem vinha de Lisboa atravessou o Tejo de cacilheiro, seguindo depois em “extenso cortejo” até ao Alentejo, onde chegaram cerca das 16 horas e apreciaram a imponência da barragem, e a vastidão da albufeira, totalmente cheia, formada pelas águas do rio Xarrama, perto da vila do Torrão.

Trigo de Morais já então não ocupava as funções pelas quais foi homenageado - Diretor-Geral dos Serviços Hidráulicos e presidente da extinta Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola - e que levaram a que fosse considerado responsável pelos grandes benefícios resultantes do sistema de rega do Vale do Sado, que permitiu um enorme desenvolvimento agrícola e é usado ainda hoje em dia.

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O descerramento das letras foi protagonizado pelo ministro das Obras Públicas e Comunicações, José Frederico Ulrich, muito aplaudido no seu discurso. João Branco Núncio, como já havia tido oportunidade de fazer na inauguração da Barragem de Pego do Altar, representou a lavoura do seu concelho e elogiou o papel da estrutura hidráulica, agradecendo tal benefício e apelidando Trigo de Morais de “técnico de grande saber”.

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Antes do lanche, servido na casa do engenheiro residente, houve lugar a mais intervenções, todas pautadas pela mesma tónica de exaltar a obra  e o engenheiro Trigo de Morais (imagem ao lado), que esteve presente, embora os seus afazeres da época o empurrassem já para outras paragens, pois ocupava o cargo de subsecretário de Estado do Ultramar.

Talvez pelo trabalho que também deixou nas nossas antigas colónias, em 1964, a povoação de Chókwè, em Moçambique, foi igualmente batizada com o seu nome, que manteria até 1976.

 

À margem

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades…Curiosamente, alguns dos ilustres lavradores que nos anos 50 detinham o solo e o poder no concelho de Alcácer do Sal pertencem ao lote de latifundiários que seria expropriado em 1975, no “ataque” que então se desencadeava “à grande propriedade e à grande exploração capitalista da terra”. Efetivamente, a portaria nº578 desse ano retirava das mãos dos seus donos um conjunto de 25 herdades nos concelhos de Alcácer do Sal e Grândola.

Batalha; Monte Novo de Palma; Abul; Marinhais; Porches; Andives; Sesmarias de Palma; Várzea Retanta; Quinta de Cima; Vale Laxique; Benegazil; Frades; Xarraminha; Pontes; Portocarro; Portancho e Salema eram as propriedades de Alcácer do Sal que faziam parte desta lista.

Em Grândola, tiveram a mesma sorte as herdades de Monte Castro; Vale de Joanas e Vale de Joanas do Barranco; Perogaito; Mascarenhas; Monte Novo de Grândola; Fontanas; Monte Novo do Canal e S. Lourenço do Norte.

Desde essa altura, tanto aconteceu, muitas experiências se fizeram e outras tantas se desfizeram. Muitos latifúndios mantiveram-se e outros desagregaram-se em função de heranças, partilhas e interesses económicos. Em alguns casos, hoje os proprietários são outros e os “explorados” também.

Mas, em 1975, no concelho de Grândola, uma conjugação de sobrenomes em particular aparecia associada a cinco das herdades expropriadas: Aires Mateus, apelidos que hoje em dia relacionamos imediatamente com arquitetura, autores de numerosos edifícios, também por terras alentejanas.

Mas isso é outra história…

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Nota: na imagem estão algumas caras que não consegui identificar e ainda Miguel Bastos e Daniel Vieira Barbosa, deputados à Assembleia Nacional e, no segundo caso, durante anos detentor do cargo que atualmente equivale a bastonário da Ordem dos Engenheiros.

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Fontes

Agradeço a informação fornecida por Baltasar Flávio da Silva, sem o qual não conseguiria identificar os intervenientes.

 

Fundação Mário Soares e Maria Barroso

http://casacomum.org

Diário de Lisboa

Ano 31; nº10.421 – 5 dez 1951

Arquivo Histórico Parlamentar (parlamento.pt)

Arquivo Municipal de Alcácer do Sal

PT/AHMALCS/CMALCS/BFS/10/02/039

Cadernos do Ressurgimento Nacional – Obras Públicas; Secretariado de Propaganda Nacional; s/d

PT/AHMALCS/CMALCS/BFS/09/01/001

 

Decreto-Lei 406-A/75

Portaria 578/75

Disponíveis em Diários da República - Procura de Documentos (tretas.org)

 

António Trigo de Morais – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

 

Imagens

Arquivo Municipal de Alcácer do Sal

PT/AHMALCS/CMALCS/BFS/01/01/01/345

PT/AHMALCS/CMALCS/BFS/09/01/001

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0388

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0391

 

Microsoft Word - morais_antonio_trigo_de.doc (parlamento.pt)

O melhor Alentejo do Mundo: Barragem Trigo de Morais ( Torrão )

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