Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O pintor moribundo que fez Lisboa sonhar

frank-craig-the-heretic-1906.jpg

 

Naquele negro ano de 1918, a mais fina flor da sociedade lisboeta vibrou com as linhas, o ritmo, a autenticidade histórica e as formas femininas, traçadas pelo artista cuja morte certa era aguardada por todos.

 

8715692330_1bbd84d35a_o.jpg

 Veredas ondulantes percorrem a floresta densa, envolta numa neblina perpétua. Aqui e ali, estranhas ruínas cobertas de trepadeiras, delicados chalés, idílicos palácios, altas torres que apenas se deixam vislumbrar, lá ao longe, inatingíveis por entre a frondosa vegetação. Um cenário onde não nos espantaríamos se nos saltasse ao caminho um qualquer elfo, estranhos duendes, belos cavaleiros de espada em riste ou uma princesa em apuros; precisamente os seres, ora etéreos, ora vigorosos, mas sempre marcantes, que povoam os quadros de Frank Craig, o artista inglês que deslumbrou Lisboa em 1918, para morrer, pouco depois, precisamente numa paisagem como a descrita, digna de um conto de fadas, em Sintra.

A sua última exposição, no salão Bobone, foi o derradeiro fôlego de um génio agonizante. Um pintor das “grandes composições de história, cheias de energia e de movimento”; imagens “que parecem arrancadas à obra dos imaginários ornamentistas do século xv”; “estudos de interiores modernos, onde passam figuras de uma elegância, de uma transparência, de uma espiritualidade…”, enfim, também um excecional “pintor de mulheres”, como o descreveu Júlio Dantas, que viu “por todos os cantos, em todas as telas, como uma obsessão, a Colombina eterna, a Pierrette imortal, loira, branca, dormente, translúcida, misteriosa, voo e espuma, névoa e flor…”.

frank-craig-la-pucelle-1907.jpg

 Dantas demorou-se duas horas para ver 30 quadros, tamanho o interesse e a sofisticação da arte, que também não escapou à atenção da restante sociedade local. Os quadros foram “admiradíssimos e visitadíssimos por tudo o que Lisboa conta de melhor”, no “meio mundano e intelectual”, bem como pela colónia inglesa, acoitada em Portugal em resultado do primeiro grande conflito global, que teimava em não terminar. Foi assim que todas as obras se venderam, algumas “por preços bastante elevados”, pode ler-se no Jornal da Mulher de 30 de junho de 1918.

383-2014129151843_original.jpg

 Não pondo em causa a obra de Frank Craig, aliás muito celebrada internacionalmente, um certo voyeurismo trágico-romântico terá contribuído para o sucesso da exposição: ninguém resiste a querer saber mais sobre um britânico, com apenas 44 anos, que foi sucumbir tísico para um cenário de sonho, como o palácio Monserrate, onde acabaria por fenecer, depois de meses de agonia, a 9 de julho de 1918. De pouco lhe valeram os ares de Sintra, ou os elogios públicos à sua arte.

Frank Craig finou-se jovem, mas deixou vasto trabalho, sobretudo na pintura histórica e na ilustração, nomeadamente de revistas de língua inglesa, onde também experimentou uma vertente humorística; e em livros, referidamente, de Rudyard Kipling. Tem trabalhos em importantes acervos: Tate Collection, em Londres, e musée d'Orsay, em Paris, por exemplo.

Dantas vaticinou, com desgosto, que o artista morreria «embalado pelo perfume das rosas de Monserrate, tão conhecidas de Byron” despedindo-se, “entre lágrimas, da glória suprema de viver. . .” Nesse sombrio ano de 1918, muitos foram os portugueses que tombaram de forma bem mais crua e brutal, nos lamacentos campos de La Lys ou, por este país fora, à mercê duma gripe que se disse espanhola e foi fatal para mais de 60 mil, só em Portugal. Destino igualmente trágico, muito menos poético que o fim do pintor de mulheres.

 

À margem

Frank_Craig_001.jpg

 É caso para dizer: afinal havia outro.. Outro Frank Craig que morreu de tuberculose, como o pintor e ilustrador inglês. Este, do qual se fala agora, fundou, no Colorado, Estados Unidos da América, a Tent Colony of Brotherly Love, destinada a indigentes tísicos. O próprio padecia desta doença, que acabaria por ser o seu fim, em 1914. O projeto foi evoluindo à medida que a tuberculose era controlada nos países desenvolvidos. Hoje, o Craig Hospital é a face moderna da iniciativa do seu criador. Especializado na reabilitação de pessoas com lesões na espinal medula ou lesões cerebrais resultantes de traumatismo, é uma instituição sem fins lucrativos e reconhecida internacionalmente. Já tratou mais de 31 mil pessoas com estas patologias, desde 1956.

Depois, também há o Frank Craig, pugilista que, contra todas as expetativas, chegou a campeão mundial negro dos pesos-médios, ainda antes da entrada no século XX (1893).

Mas isso é outra história…

 

 

Fontes

Espadas e rosas, de Júlio Dantas, - Lisboa, Portugal-Brasil,  Limitada Sociedade Editora 58, rua Garrett, 60 Rio de Janeiro - Companhia Editora Americana - Livraria Francisco Alves - Tip. do Anuário Comercial — Praça dos Restauradores, 34 - Digitized by the Internet Archive in 2009 with funding from University of Toronto

http://www.archive.org/stream/espadaserosas00dant/espadaserosas00dant_djvu.txt

 

Jornal da mulher – 30 de junho de 1918 – Revista quizenal ilustrada

 

The art o nation-building – Pageantry and Spectacle at Quebec’s Tercentenary, de H. V. Nelles – University of Toronto Press – Toronto Buffalo London – 1999 – printed in the U.S.A.

https://books.google.pt/books?id=2sqCpaYHnv0C&pg=PA372&lpg=PA372&dq=%22Frank+craig%22+sintra&source=bl&ots=-LeQc1ti_m&sig=eGVbwOAV-dxsjUmJkRw7BA03mEc&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwjgvIO347vYAhURKewKHWocAw8Q6AEIPjAI#v=onepage&q=%22Frank%20craig%22%20sintra&f=false

Dictionary of brittish graphic artists and illustrators – Oxford University Press Inc – 2012

https://books.google.pt/books?id=05C02RhJZCkC&pg=PA289&lpg=PA289&dq=%22Frank+craig%22+sintra&source=bl&ots=QLkii-aT95&sig=LiTRHzAR588WrJESMIBdsI75KD0&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwjgvIO347vYAhURKewKHWocAw8Q6AEIQzAJ#v=onepage&q=%22Frank%20craig%22%20s

https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:4ZBnpUPRkAIJ:https://curiator.com/art/frank-craig+&cd=12&hl=pt-PT&ct=clnk&gl=pt

 

http://artoncampus.rit.edu/artist/399/

 

http://www.musee-orsay.fr/fr/collections/catalogue-des-oeuvres/notice.html?nnumid=16708

http://www.soldiersofthequeen.com/FrankCraig.html

 

 

https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&ccid=9gH1c6LL&id=CE8C36656E3E620D07928456D936EECFCDDC239B&thid=OIP.9gH1c6LLv_jzdF0jRNgiEwEsEp&q=%22frank+graig%22+&simid=607987794273045715&selectedIndex=10&ajaxhist=0

 

https://craighospital.org/about/history-of-craig

http://www.omnilexica.com/?q=frank+craig

https://pt.wikipedia.org/wiki/Frank_Craig

 

Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.