O português que reinventou os monumentos italianos
É difícil enumerar todos os cargos importantes que Alfredo d’Andrade ocupou em Itália. O castelo e o núcleo medieval de Turim, admirados por milhões de turistas, saíram da sua imaginação… no século XIX.
Por estes dias, Cristiano Ronaldo é um dos nomes mais falados em Turim. Mas, e lhe disser que os principais símbolos arquitetónicos daquela cidade italiana se deverem ao trabalho de outro Português? Alfredo d’ Andrade foi o homem que restaurou e reconstruiu um grande número de monumentos italianos, apagando o rasto de restauros desastrosos, devolvendo-os à sua traça original, recriando-os ou até, pasme-se, criando-os de raiz. O castelo e o núcleo medieval de Turim (na imagem) são dois exemplos que saíram da sua imaginação e de um apurado estudo histórico.
É que, ao contrário do que se pode pensar à primeira vista, aqueles imponentes edifícios têm apenas 134 anos e nasceram como cenários para uma exposição mundial. Acabaram por permanecer como principais atrações turísticas da cidade que agora aplaude o nosso futebolista.
Antes, já Itália se tinha rendido a este lisboeta nascido em 1839 e embarcado aos 14 anos para aquele país, em busca de aprofundar estudos. Em vez de se dedicar à original carreira na área comercial e de gestão, estudaria pintura e tornar-se-ia arquiteto e arqueólogo. Não um qualquer, mas um dos mais influentes, aclamados e poderosos do seu tempo.
Alfredo César Reis Freire d’ Andrade foi o principal mentor da reconstrução de monumentos que se encontravam em situação de degradação extrema. Entre muitas outras igrejas e conventos, palácios e fortificações, edifícios tão relevantes como o Castelo de Rivara (Turim); a Torre de Paillleron, os castelos de Montalto-Dora e Fenis (na região de Aosta - na imagem); o palácio de S. Jorge e a porta Soprana, em Génova; o castelo de Pavone Canavese; e a impressionante Sacra de S. Miguel, no vale de Susa (na imagem a cores).
Na cidade de Turim, que o nomeou cidadão honorário, foi responsável por levar à sua verdadeira essência a emblemática Porta Palatina (na imagem, o antes e o depois), bem como por, em ano e meio, recriar, como cenário para a exposição industrial de 1884, o castelo e a aldeia medieval. O rigor histórico terá sido tal, que o poder político decidiu passar a construção a definitiva, como exemplo do que seria a cidade na época retratada e elemento de atração turística.
Por aqui se vê a confiança que os italianos depositavam neste português. Mas não é tudo.
Não é fácil enumerar todos os cargos importantes que ocupou: superintendente dos monumentos de Piemonte e da Ligúria; membro do Conselho Superior de Antiguidades e de um enorme conjunto de comissões para o restauro de monumentos de Verona, Vicenza, Olvieto, Pisa, Nápoles e Palermo. Fez parte dos grupos para avaliação artística do monumento a Vítor Emanuel II; e para a edificação do sepulcro do rei Umberto, ambos em Roma, bem como do comité para a reconstrução da basílica de S. Marcos, em Veneza.
Foi, em vida e postumamente, alvo de numerosas homenagens, dá nome a fundações, prémios artísticos e ainda hoje o seu trabalho é visto com pioneiro, constituindo tema para conferências, estudos, colóquios e trabalhos.
E por cá, no país que o viu nascer? Pois é certo que Alfredo d’Andrade escolheu naturalizar-se italiano, mas será motivo para ser um nome tão pouco conhecido?
O chalet de Fontalva, em Barbacena (Alentejo), é talvez a sua obra mais conhecida - até porque já foi cenário de uma novela portuguesa - mas Alfredo d’Andrade é também o autor do alargamento do Terreiro do Paço através de um aterro que ganhou área ao rio Tejo, corria o ano de 1857. Do seu trabalho de pintura, o museu do Chiado guarda pelo menos uma obra.
Pintor e arqueólogo, o seu espólio é atualmente gerido por uma fundação e pode ser visto no museu de Pavone Canavese, para além de a sua marca ainda permanecer num elevado número de monumentos italianos que devem a este lisboeta a aparência que atualmente contemplamos.
À margem
As opções estéticas seguidas no restauro de monumentos são frequentemente polémicas, tanto mais que, não raras vezes, implicaram a recriação da sua traça ao gosto de diferentes épocas ou, não menos discutível, a imitação das características arquitetónicas originais.
Em Portugal há muitos exemplos de edifícios em que só um olhar muito entendido e atento percebe que a sua aparência atual não se deve aos seus primitivos autores, mas si aos que os reinterpretaram já no século XIX ou XX.
Toda a ala oeste do conjunto do Mosteiro dos Jerónimos, onde estão instalados o Museu Nacional de Arqueologia e parte do Museu da Marinha, aparentemente tão ao estilo manuelino, são obra oitocentista, tal como o portal e os dois torreões que ladeiam a entrada do Museu da Marinha (topo poente - na imagem), que saíram da imaginação dos cenógrafos do Teatro de São Carlos, Rambois e Cinatti.
No Estado Novo, por outro lado, a “moda” foi o devolver os monumentos à sua suposta traça inicial, o que levou a novas reinvenções, com o propósito de engrandecer a antiguidade da história nacional.
Exemplos dessas transformações controversas são a Sé de Lisboa, cujas torres sineiras ganharam ameias antes inexistentes; o Paço de Guimarães, reerguido praticamente do zero, ou o próprio castelo de S. Jorge, que, segundo piada da época, não seria reconhecido pelo próprio Martim Moniz, que ali terá morrido “entalado”, segundo conta a versão então aceite dos acontecimentos, também ela composta para provocar mais emoção.
Mas isso é outra história…
Fontes
Illustração portuguesa
Nº 170 – 24 mai. 1909
Texto de Limbertini Pinto
https://it.wikipedia.org/wiki/Alfredo_d%27Andrade
https://www.mondadoristore.it/Alfredo-D-Andrade-Precursore-Carolina-Filippini/eai978887637045/
http://viadeiportoghesi.blogspot.com/2016/11/convegno-sullattualita-di-alfredo.html
https://it.wikipedia.org/wiki/Alfredo_d%27Andrade#/media/File:D%27Andrade_1908.jpeg
https://en.wikipedia.org/wiki/Palatine_Towers
http://www.romeacrosseurope.com/?p=5039
http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=6491
https://artoblog.it/levoluzione-della-porta-palatina-nel-corso-dei-secoli/
Di Original uploader was Fotogian at it.wikipedia - Transfered from it.wikipedia, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=536542
http://www.mosteirojeronimos.gov.pt/pt/index.php
Visão História
Nº 41 – maio 2017 – texto de Luís Almeida Martins
Nº 46 – abril 2018 – texto de Maria João Neto
Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa
http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/
Paulo Guedes
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/PAG/000349
Filmarte
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/SEX/000405