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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Os Telles Antunes: de comerciantes republicanos a cientistas

 

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Tudo começou em 1899, com o casamento de Ana Telles e António Antunes. A família, originalmente dedicada ao comércio, ganhou importância política e peso económico por altura do advento da República e muito se deveu às duas viúvas que tomaram as rédeas dos negócios. Entre os descendentes há um físico conhecido e um paleontólogo com honras de dar nome a dinossauros.

 

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Os Telles Antunes são um caso emblemático das famílias burguesas ligadas ao comércio, que prosperaram na primeira metade do século XX, em Alcácer do Sal. Republicanos convictos, quebraram um pouco da hegemonia dos grandes proprietários rurais, ganhando poder económico e político no advento da República. Foram precursores no destaque assumido pelas mulheres, mas o comércio, elemento principal do sucesso familiar, manter-se-ia apenas por três gerações.  Esperava-os voos mais altos.

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A família nasce com o casamento de Ana de Jesus Telles (na imagem) e António Antunes. Foi na Igreja de Santiago, ela, natural de Alcácer, tinha 25 anos e ele havia nascido 29 anos antes, em São Miguel da Carregueira, Tomar. Não se sabe o que o fez rumar ao Alentejo, mas era já comerciante estabelecido no largo da Regueira (hoje largo Camps Valdez, na imagem). Comerciantes eram igualmente o pai e dois dos irmãos da noiva, que foram testemunhas do enlace, José Manuel e António Manuel Telles.

Todos sabiam já assinar e fazem-no até com grande firmeza, talvez sinal que saberiam escrever com alguma desenvoltura, algo pouco comum numa época em que cerca de 90 por cento da população local era analfabeta.

 

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A mãe de Ana, Silvéria do Carmo Telles (na imagem), enviuvando, fundou com os filhos a empresa Viúva Telles & Filhos, casa comercial que se situaria na então Rua Direita e onde se vendia de tudo um pouco e também se forneciam serviços. Eram representantes de quatro companhias de seguros e revendedores de tabaco.

Por sua vez, na loja do genro, a tal do largo da Regueira, o cenário era idêntico, em termos de variedade e quantidade.

Os dois núcleos foram prosperando em conjunto, adquirindo propriedades, casas e marinhas, diversificando a atividade, mas sempre com o comércio como elemento principal.

José Manuel Telles (na imagem), irmão de Ana Telles, foi o primeiro presidente da Câmara Municipal de Alcácer do Sal após a implantação da República, ainda estava no cargo em 1911, quando morreu, aos 53 anos, com uma lesão cardíaca. Era também presidente da Comissão Municipal Republicana e um dos fundadores do núcleo local do Registo Civil. Como seria de esperar para tão dedicado republicano, teve um funeral civil e com honras apenas prestadas a grandes individualidades, com bandeiras a meia haste e três dias de luto concelhio.

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Em poucos anos, morrem os outros dois irmãos: António Manuel, em 1913 e Manuel Telles, em 1914.

Silvéria mantém os negócios sozinha, até que desaparece também, entre 1918 e 1919, sensivelmente na mesma altura em que a filha Ana fica viúva. Foi, aliás, uma época de grande mortandade em Alcácer e, de resto, em todo País, devido à denominada gripe pneumónica, ou espanhola.

Todos os bens da família – nomeadamente os bens imobiliários onde se destacam as casas comerciais - convergiram para Ana Telles Antunes. Todos os trabalhos também.

Mais uma vez, é uma mãe viúva que prossegue com os negócios, gerindo-os e expandindo-os, naturalmente com o apoio dos filhos – ainda muito jovens quando ficaram orfãos de pai.

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Com a morte de Ana, em 12 de fevereiro de 1937, os bens acumulados ao longo dos anos dispersaram-se pelos seis descendentes. As partilhas só estariam concluídas em 1943.

De entre os filhos do casal, João Telles Antunes (na próxima imagem, com Maria Emília Antunes) foi o principal seguidor do negócio familiar, aumentando o seu património até ao fim da vida e mantendo a antiga loja do largo da Regueira, cujo nome mudaria depois para A Persistente de João Telles Antunes e Sobrinhos, lda.

Tal como as irmãs Maria Silvéria e Carmina Telles Antunes, não casou nem teve filhos. Aconteceu o mesmo com José Teles Antunes - Zezinho Antunes - chegou a ser sócio da Sociedade de Panificadores de Alcácer do Sal e casou com Maria Laura Rodrigues de Sousa.

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António Telles Antunes, que foi aferidor e inventor, casou com Maria Amélia de Pinho, funcionária dos correios e telégrafos a partir dos anos 30 do século XX, algo muito raro na altura (nas imagens, em jovem e ao balcão do posto).

A filha deste, Maria de Jesus, seguiria as pisadas da mãe e chegaria a chefe de Posto. O filho, António Teles Antunes, casou com Maria Emília Gorina e trnou-se bancário. 

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Os descendentes de Maria de Jesus Telles Antunes e do marido, José Silvestre Pinto – funcionário das Finanças - a filha, Maria do Rosário (Rosarinho), as filhas e netos desta; bem como o sobrinho, são os únicos descendentes do casal Ana e António Teles Antunes que ainda residem em Alcácer do Sal.

Nenhum dos elementos desta nova geração possui já os apelidos Teles Antunes.

Manuel Telles Antunes (na próxima fotografia) foi o único da prole original a enveredar pelo ensino superior. Tanto ele, como os seus filhos, Henrique e Miguel, se distinguiram nas áreas académica e científica (ver À margem).

 

 

À margem

Manuel Telles Antunes, um dos seis filhos de Ana de Jesus Telles e António Antunes virou costas à tradição comercial da família e destacou-se no meio académico, como professor catedrático e cientista na área da física. Foi observador-chefe do Observatório Central de Meteorologia Infante D. Luís e um dos fundadores da revista Portugaliae Physica (1943-1954), vocacionada para a divulgação de investigação científica. Teve, ao longo da carreira, numerosos estudos publicados.

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Com Deolinda Augusta Ferreira, teve dois filhos: Henrique e Miguel Telles Antunes (na imagem).

Henrique morreria cedo, num acidente, com apenas 30 anos, enquanto era professor de engenharia eletrónica na Universidade de Luanda, mas tinha já uma carreira importante nessa área, iniciada no Instituto Superior Técnico. Nomeadamente, participou na organização do curso de Engenharia Aeronáutica (Força Aérea) e trabalhou no Laboratório Nacional de Engenharia Civil, onde desenvolveu estudos sobre barragens.

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Miguel Telles Antunes é geólogo e paleontólogo de renome, bem como professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, diretor do Museu Maynense da Academia de Ciências de Lisboa. Foi feito grande oficial da Ordem do Infante D. Henrique e, entre as numerosas homenagens de que foi alvo, contam-se o facto de o seu nome ter sido dado a um dinossauro e a um crustáceo pré-histórico, respetivamente, o Lourinhanosaurus Antunesi Mateus e o Cytherella Antunesi (Ostracoda).

Casou com a insigne bióloga Maria Salomé Pais, secretária-geral da classe de ciências da Academia de Ciências de Lisboa e Comendadora da Ordem do Infante D. Henrique.

São pais de Helena Luísa, médica cardio-torácica e professora, e de Ana, pianista de renome e diretora do Departamento de Música da Universidade de Évora.

Ambas transportam ainda os nomes Telles Antunes, unidos há perto de 125 anos com o casamento de Ana e António, na Igreja de Santiago de Alcácer do Sal.

Nesta terra onde tudo começou, apenas Manuel Telles Antunes tem honras de nome de rua, uma artéria sem saída, insignificante e longe da zona ribeirinha, onde desenvolveram a atividade comercial, mas onde também já nada lembra a família. Curiosamente, na toponímia, persistem nomes ligados às famílias que dominavam Alcácer antes da República, como Paula Leite, Valdez, Branco ou Gentil. 

Mas isso são outras histórias...

 

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Agradeço a Rosarinho Antunes Pinto as informações iniciais que me permitiram desenvolver esta pesquisa.

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Fontes

Arquivo Municipal de Alcácer do Sal

Fundo Telles Antunes

 

Jornal Pedro Nunes

 

Arquivo Distrital de Setúbal

Registos paroquiais

PT-ADSTB-PRQ-PASL01-002-00047_m0015 -0016

PT-ADSTB-PRQ-PASL03-001-00062_m0041

PT-ADSTB-PRQ-PASL03-001-00078_m0023

PT-ADSTB-PRQ-PASL03-002-00053_m0010

 

homenagem_telles-antunes_cv.pdf (unl.pt)

Miguel Telles Antunes – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

Jornal Voz do Sado

03.1966

8.1970

Hermínio Duarte Ramos, Central de alimentação do Departamento de Eletrotecnia da Universidade de Luanda in Eletricidade 113.

http://abreufaro.tecnico.ulisboa.pt/testemunho-de-herminio-duarte-ramos/

http://memoria-africa.ua.pt/Catalog.aspx?q=TI%20universidade%20de%20luanda

https://pt.wikipedia.org/wiki/Miguel_Telles_Antunes

http://www.fisica-e-quimica-na-politecnica.org/03ARTIGOS/artigos/21_Cyrillo_Soares_e_a_Ciencia.pdf

https://home.uevora.pt/~afitas/Prelo-vfWEB.pdf>https://gazeta.spm.pt/getArtigo?gid=130

https://www.epj.org/images/stories/archives/portugaliae_physica.pdf

https://digitarq.arquivos.pt/details?id=7665464

https://www.dct.fct.unl.pt/pessoas/docentes/miguel-telles-antunes

https://www.fct.unl.pt/sites/default/files/documentos/noticias/homenagem_telles-antunes_cv.pdf

https://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Salom%C3%A9_Pais>

https://www.nms.unl.pt/pt-pt/nms/quem-somos/detalhe/n/Helena%20Telles%20Antunes/personid/3881

https://artenotempo.pt/ana-telles-antunes/>

 

Imagens

Arquivo Municipal de Alcácer do Sal

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AHMALCS-CMALCS-FOTOGRAFIAS-01-05-001

AHMALCS-CMALCS-BFS-01-01-01-192

Miguel Telles Antunes | Departamento de Ciências da Terra (unl.pt)

 

 

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