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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Pela imprensa (28): em busca da baleia radioativa

 

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Ora aqui está um anúncio que, como já alguém aqui disse, levanta toda uma série de interrogações. O traço, moderno, pertence à primeira agência de publicidade portuguesa que, em 1917, divulgava um enigmático adubo de baleia radioativo. Mas, como se chega a um adubo de baleia radioativo?

É este o preparado milagroso que enche as sacas abraçadas pelas raízes desta bonita árvore. Ali encontra força para crescer e fazer vingar as suas folhas e frutos semelhantes a grandes moedas douradas.

A farinha de ossos e carne de baleia, subproduto da indústria de óleo extraído daquele grande mamífero aquático, era usada como fertilizante agrícola e complemento na alimentação de gado. Até aí, há pouca novidade. Mas, como chegamos a um adubo radioativo? Seria luminoso?

As próprias fezes das baleias são um poderoso adubo para o fitoplâncton que, por sua vez, pode ajudar a neutralizar o CO2, produzido pelos combustíveis fósseis. Mas e a radioatividade?

No anúncio não é só essa questão que se apresenta intrigante. As letras H.B.C. suscitam toda outra gama de questões.

São as iniciais da firma que produz o adubo? Não encontrei evidência disso, apesar de ainda ter aventado a hipótese de corresponder a Hudson's Bay Company, fundada no século XVII, que durante muito tempo se dedicou ao comércio de peles de animais, no Canadá e Estados Unidos da América.

Outra hipótese explorada é serem as iniciais de uma qualquer substância. Há, por exemplo, uma hormona assim representada - a corticosterona - e esta é também a designação de um produto usado como protetor de sementes, mas já proibido em alguns países devido à sua toxicidade.

A questão mesmo é: como chegamos à radioatividade? E a resposta pode até ser: não chegamos.

Pode tratar-se apenas de uma manobra publicitária.

É que, em inícios do século XX, a radioatividade era argumento para vender quase tudo, de águas a produtos de beleza, de alimentos, a tintas, de relógios, a adubos…

Antoine-Henri Becquerel desenvolveu estudos que levaram à descoberta da radioatividade. A radiação eletromagnética foi descoberta em 1895, por Wilhelm Röntgen e, três anos depois, Marie e Pierre Currie identificaram o elemento rádio.

Estes avanços científicos deram origem a todo um novo mercado de produtos e serviços com elementos radioativos, quer pela particular fosforescência do rádio, que o tornava especialmente atrativo, quer pelas suas alegadas qualidades curativas para uma enorme quantidade de doenças.

Ora, se é um facto que a maior parte desses produtos tinham na sua composição, elementos formulados a partir do rádio, também é certo que outros, embora o apregoassem, não o possuíam.

Contas feitas, foi beneficiado quem usou estes bens falsamente radioativos, porque se provaria, mais tarde, que os verdadeiros eram extremamente nocivos para a saúde.

Resta dizer que este é um trabalho da Empresa Técnica Publicitária (ETP), fundada por Raul de Caldevilla, que, no mesmo ano, lançou o filme inaugural da publicidade em Portugal: “Um chá nas nuvens”. 

 

Fontes

www.purl.pt

Biblioteca Nacional de Portugal

Adubo Radioativo de Baleia, ETP-Empresa Técnica de Publicidade, Porto, 1917.

CDU: 631.8(084.5)

766(=1:469)"191"(084.5)

 

Karel Pontes Leal, A Ciência dos Discursos Publicitários de Produtos Radioativos do Início do Século XX: Reflexões para o Ensino de Ciência a Partir da História das Garotas do Rádio, tese para obtenção do doutoramento na área do Ensino da Física, São Paulo, 2023.

 

Disponível aqui:

https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/81/81131/tde-15082023-163918/pt-br.php

 

Sarah Alves, Batom radioativo: a história de cosméticos que fizeram sucesso no passado. Disponível aqui:

https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2021/08/26/cosmeticos-radioativos-o-que-eles-ensinam-sobre-o-controle-dos-produtos.htm

 

Sophie Yeo, Batom radioativo: a história de cosméticos que fizeram sucesso no passado, BBC Future. Disponível aqui:

https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-55768723

 

Waldemar de Almeida, José Fiúza, Cláudio Marques Magalhães, Celso Merola Junger, Agrotóxicos, Scielo Brasil, 2006. Disponível aqui: https://www.scielo.br/j/csp/a/fqHFphQtcS6JYcNmjYjhvzq/

 

Arthur J. Ray, Hudson's Bay Company, The Canadian Encyclopedia. Disponível aqui:

https://www.thecanadianencyclopedia.ca/en/article/hudsons-bay-company

 

 

https://www.avidaportuguesa.com/pt/loja/cartaz-adubo-de-baleia

 

https://en.wikipedia.org/wiki/Hudson%27s_Bay_Company

 

https://en.wikipedia.org/wiki/Carboxyhemoglobin

 

 

 

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