Portugal também viu nascer um príncipe Luís
Há 131 anos, o nascimento do herdeiro da coroa dava um novo folego à monarquia portuguesa, mas merecia menos atenção da imprensa do que, na atualidade, recebe o mais recente elemento da família real inglesa. Curiosamente, foram batizados com o mesmo nome – Luís – e a rainha Vitória, avó em quinto grau do principezinho britânico, foi das primeiras pessoas a felicitar a casa real portuguesa pelo novo membro, que nunca chegaria a ser rei.
A 21 de março de 1887 nasceu em Lisboa aquele que estava destinado ser o herdeiro do trono, filho de D. Carlos, então ainda príncipe, e de D. Amélia de Orleães. Ao contrário do que se poderia pensar e do que ocorre hoje quando nasce alguém de tal posição nas monarquias mais badaladas da Europa, o nascimento de D. Luís Filipe não mereceu mais que uma pequena nota na segunda página do Diário Ilustrado, embora o mesmo jornal tivesse voltado ao tema nos dias seguintes. Diferentes eram então também os rituais e os papéis a desempenhar por homens e mulheres, especialmente nas famílias reais, plenas de preceitos e regras.
A primeira notícia transcreve a comunicação oficial, que no dia anterior tinha sido publicada em Diário do Governo, dando conta do nascimento do Príncipe da Beira, filho do sereníssimo casal. Ao Palácio de Belém, escolhido para morada dos príncipes, acorreram as mais altas figuras do Estado, para manifestar o seu “sincero júbilo” pelo nascimento do primogénito.
Descreve-se o desfiar das formalidades, nomeadamente a ordem pela qual os “eleitos” tiveram o privilégio de conhecer o bebé. Primeiro o dr. Ravara, que terá igualmente averiguado a perfeita saúde da criança. Seguiram-se os avôs, o rei D. Luís e o Conde de Paris, bem como o Presidente do Conselho de Ministros – cargo então ocupado por José Luciano de Castro.
O recém-nascido foi depois apresentado à multiplicidade de duques, condes, marqueses, conselheiros e almirantes que se encontravam no local, ao que se seguiu o batismo - ministrado pelo Cardeal Patriarca - e o real anúncio do facto, assinado pela camareira-mor e pelo médico.
Curiosamente, em todo este vasto elenco de figurantes e figuras-chave, nem uma só palavra para o pai da criança. Esquecimento, lapso ou simplesmente sinal da sua aparente pouca relevância nesta circunstância? Certo é que a atenção sobre a mãe também só se limitou ao primeiro momento, finda que estava a sua real função de gerar descendentes.
O imperador Guilherme I, da Alemanha, e a rainha Vitória foram os primeiros soberanos europeus a felicitar a família real portuguesa e, nos dias seguintes, até ao batismo solene de 14 de abril, multiplicaram-se cerimónias religiosas e profanas – de missa, a receção no Palácio da Ajuda e récita no Teatro São Carlos – para assinalar o acontecimento, entendido como um “balão de oxigénio” para uma monarquia perante a qual já se erguiam diversas vozes.
Iluminaram-se locais públicos e privados; houve música pelas ruas; lançamento de foguetes, repiques de sinos e salvas de tiros; sucederam-se as congratulações de todo o País, distribuíram-se presentes, comendas e outras mercês. Até o rancho dos militares foi melhorado durante aquele período, registando-se gratificações e folgas extra. E o clero não foi esquecido, pois o cardeal recebeu um anel de ouro com uma enorme ametista.
Um verdadeiro bodo aos pobres … e aos ricos!
O batizado foi uma cerimónia muito concorrida por tudo o que era gente efetivamente importante e onde foram especialmente notadas as ricas indumentárias, começando pela toilette da rainha, de cetim grená, toda bordada e coberta de rendas. O Diário Illustrado, aliás, faz uma descrição digna de qualquer revista social do século XXI, comentando os “looks”, tanto de homens, como de mulheres, como hoje está em voga e, na época, ao que parece, também já estava.
O dia culminou com uma receção de 140 talheres no Paço da Ajuda. Um autêntico luxo desde logo muito notado e elogiado pelos “cortesãos decididos” e criticado pelos “republicanos exaltados”, as duas únicas maneiras de ser neste exótico país onde não havia meio termo. entendia a revista Illustração Portuguesa.
Reparos destes sempre houve, mas naquele final de século eram cada vez mais acesos e exacerbados. Apenas 21 anos depois, esse radicalismo terminaria da pior maneira para o herdeiro do trono.
À margem
Se esmiuçar e criticar os ricos e poderosos são atividades tão antigas quanto a própria humanidade, inventar boatos a seu respeito também o será. O nascimento do príncipe Luís Filipe não foi diferente. Uma semana após o acontecimento, os jornais destacavam que D. Carlos, o irmão e os sogros já estavam em Vila Viçosa para se divertirem numa caçada. Nada de estranho na altura, como também não é estranho que sobre o mesmo acontecimento se contassem versões diferentes: os jornais Novidades e Correio da Noite divergiam sobre um facto tão importante quanto se tinha ou não chorado o príncipe durante o seu batizado. Já o “Povo de Aveiro” fazia eco de informações não confirmadas de que o bebé tinha ataques de asma. Dizia o mesmo jornal regional que constava ter a parteira Prevot (Mathilde Rosa Prevot) sido despedida por lhe serem atribuídas responsabilidades pela falta de leite da primeira ama do príncipe, estando o médico Ravara também em maus lençóis pelos mesmos motivos. A sabedoria popular diz que “onde há fumo há fogo”, ou seriam fake news, como hoje se diria?
Mas isso é outra história...
Fontes:
Biblioteca Nacional de Portugal
Diário Illustrado
16º ano, nº5:007 – 23 mar. 1887
16º ano, nº5:008 – 24 mar. 1887
16º ano, nº5:016 – 01 abr. 1887
16º ano, nº5:017 – 02 abr. 1887
16º ano, nº5:029 – 15 abr. 1887
Hemeroteca Digital de Lisboa
www.hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/
Illustração Portugueza – Revista literária e artística
3º ano, nº40 – 18 abr. 1887
https://fotos.web.sapo.io/i/o3a146226/17955938_1epHF.jpeg