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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Quando Alcácer jurou lealdade ao último rei absoluto

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Foguetes, missa, procissão, danças e cantares. Tudo serviu para os alcacerenses jurarem lealdade a D. Miguel, numa altura em que os liberais já tinham iniciado, nos Açores, a sua demanda para recuperar o poder em Portugal.

 

Miguel I reinou apenas seis anos, (1828-1834). Tratou-se de um período conturbado de guerra civil, que opôs os liberais, partidários de D. Maria II, aos miguelistas, defensores do absolutismo. Ora, foi precisamente num dos momentos cruciais desta contenda, dois meses após a aclamação do novo governo liberal nos Açores, que Alcácer do Sal, decidiu comemorar de forma pública e efusiva o seu apoio a D. Miguel. A pacata vila alentejana, que anos mais tarde assistiria a uma das mais sangretas batalhas deste conflito, mobilizou a população para uma espaventosa festa, na passagem do 30º aniversário daquele que para uns foi o usurpador e, para outros, - entre os quais parecia querer incluir-se a nata da sociedade alcacerense da época - era o verdadeiro herdeiro do trono português.

sem nome.pngEste tipo de manifestações, expontâneas ou forjadas para legitimar o monarca, eram depois divulgadas com propósitos propagandísticos, como aconteceu neste caso.

Foi a 26 de outubro de 1831 e, conta a Gazeta de Lisboa, a iniciativa das celebrações terá sido do presidente do senado da câmara local, José Maria de Moura Brito Mouzinho.

Começou por organizar um bodo aos pobres, distribuído porta a porta, mas também junto dos presos e dos mendigos. Às mais de 400 pessoas que receberam tal oferenda - um arrátel (cerca de 360 gramas) de pão e outro de carne de vaca e uma ração de arroz - pedia-se que rogassem a Deus pela saúde do “amabilissimo Rei”.

Por várias vezes se ouviram salvas de tiros, foguetório e repicar de sinos. Hastearam-se as bandeiras e a população acorreu à igreja Matriz, onde, com grande solenidade, Manoel de Jesus Maria Lobato, prior e juiz da Ordem de Santiago na Comarca, celebrou missa cantada por “música que veio de fora”.

O sermão ficou a cargo de Manoel do Sacramento, religioso de Santa Maria da Arrábida, que, segundo a mesma fonte, terá provado o quão o “paternal governo” de D. Miguel fazia o povo feliz, sendo que este seria “desgraçado” se estivesse debaixo do jugo da fação “liberal e destruidora”.

O texto, todo neste tom laudatório para os absolutistas e negativo para os liberais, descreve depois como os festejos continuaram até às duas horas da madrugada. Primeiro, o corpo de milicias local formou, depois acompanhou uma solene procissão que percorreu as ruas limpas e decoradas. Marcaram presença, António de Sousa, major que comandava as milicias e Francisco de Paula Leite, coronel graduado das mesmas.

Tão jubilosa jornada foi rematada com a alta sociedade ouvindo hinos e canções alusivos ao rei, perante um retrato do mesmo, no iluminado edifício da câmara. Ao mesmo tempo, nas ruas, o povo dançava, “sem que houvesse a mais pequena desordem, mas sim hum geral contentamento alegria e satisfação, ouvindo-se por toda a parte vozes de Viva EIRei o Senhor Dom Miguel I Nosso Senhor”.

 

À margem

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O reinado de D. Miguel foi curto e conturbado, mas em torno dele gerou-se um fenómeno de idolatria que se traduzia num exagerado culto ao seu retrato – a “real efigie”. Mesmo antes de se tornar rei e quando ainda estava ausente do País, já circulavam milhares destas pequenas imagens, compradas para depois serem aplicadas em broches, caixas de rapé, alfinetes ou medalhas.

Rapidamente entendido como uma arma política, o que começou como uma moda extemporânea, tornou-se uma obrigação após a subida de D. Miguel ao trono.

Os cidadãos deveriam pedir ao soberano a mercê de usar a sua efigie e este tinha a prerrogativa de o autorizar…ou não, o que, em tempo de perseguições como aquele foi, nunca seria bom sinal.

Mas isso é outra história…

 

 

Fontes:

Gazeta de Lisboa

https://books.google.pt/books?id=GO0vAAAAYAAJ&pg=PA113&lpg=PA113&dq=%22Gazeta+de+lisboa%22+outubro+1831&source=bl&ots=nsoqScpleu&sig=Pmz1xdGF-pIV3EoAPYOLy_dbqTM&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwjmpOHZh-LZAhWEUBQKHfJdBgkQ6AEIJzAA#v=onepage&q=Alcacer&f=false

Alexandre Ferreira Barros, em Medalhas da real efigie de D. Miguel (Continuação), Boletim da Sociedade Portuguesa de Numismática, vol. 08, nº. 26-28, 1965-1966, pag. 113-117

Biblioteca Nacional Digital

http://purl.pt/5210/3/

http://purl.pt/6884/3/

 

https://www.cml.pt/cml.nsf/artigos/AD64BF76A8B66F50802575A5005D4573

 

 

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