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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Quando o meritíssimo juiz foi preso

 

edificcio paços do concelho e juiz detido _ abert

 

A polémica do juiz “enxovalhado” chegou ao parlamento e obrigou a explicações do Ministro. Suspeitava-se da implicação do magistrado em conspirações contra a República.

 

Estamos habituados a ver os juízes como pessoas com poder para dar voz de prisão ou condenar alguém à cadeia. Quando um juiz é preso, há sempre estranheza e alarde social. Pois foi isso mesmo que aconteceu em finais de 1912, na Comarca de Alcácer do Sal.

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Cristóvão Cardoso Albuquerque Barata, visconde de Olivã. Assim se chamava o magistrado suspeito de praticar “crimes contra a República”, como aliás centenas de outros cidadãos que, naqueles tempos inseguros de afirmação do novo sistema político, foram detidos com base no mesmo pressuposto.

É que os monárquicos ainda lutavam pelo regresso do rei e, efetivamente, foi uma época de grande tumulto, conspirações, atentados à bomba e tiroteios um pouco por todo o País.

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Ora, o juiz de direito da Comarca de Alcácer do Sal era apontado como fazendo parte de um dos denominados “complots do Alentejo” contra a emergente República.

Foi detido por ordem – mais propriamente um ofício – do obscuro oficial da Polícia Judiciária Militar no quartel de Portalegre, António Luís Ribeiro da Silva.

 

Mas, em vez de ser levado para aquela cidade, como era pedido, o administrador do concelho de Alcácer do Sal – à época, Henrique de Sacadura Freire Cabral - provavelmente para proteger o magistrado, levou-o para Lisboa, onde se instalou a polémica.

No parlamento, o caso foi abordado pelo senador José de Castro, do Partido Republicano Português, que atribuiu a detenção do visconde de Olivã a uma atitude de vingança e considerou inadmissível que um juiz pudesse ser assim “enxovalhado”.

Indignado, instou o ministro da Guerra a explicar-se, já que a ordem de prisão tinha sido dada por um militar, obrigando aquele governante a pronunciar-se sobre o assunto.

zona ribeirinha de alcácer2.jpg

 

Em Alcácer, o falatório devia ser muito, especialmente entre os mais esclarecidos, os comerciantes e uma certa elite local. Provavelmente, ao povo comum estas manobras pouco diziam, já que a maioria nem sequer conseguia ler as notícias, das quais, obviamente, o jornal local fez eco.

Sabe-se que o então delegado do Procurador da República nesta comarca, Pedro de Mello Coutinho de Albuquerque e Castro, comunicou o caso ao seu superior, pois coube-lhe a tarefa de “levantar um auto de corpo de delito por crime político” contra o juiz Cristóvão Barata, pessoa que, admitiu, foi sempre “integro e o mais correto que se pode ser no cumprimento dos seus deveres”, pelo que era “justamente estimado e considerado por todos os habitantes” de Alcácer do Sal.

Queixava-se, claro, dos enormes incómodos provocados pela ausência do titular da Comarca, com a cadeia cheia e os julgamentos suspensos. Pois, embora o juiz pudesse ser substituído pelo presidente da então comissão republicana de gestão municipal, este não queria “arcar com tais responsabilidades”.

Ao que tudo indica, nada se provou contra o magistrado. Ainda assim, esteve ausente cerca de um mês.

zona ribeirinha de alcacer 2.JPG

Regressou em janeiro de 1913, acompanhado pela mulher.

Um grupo alargado de amigos alcacerenses foi recebê-los cerca de cinco quilómetros antes da entrada na então vila, como forma de manifestar estima.

 

Cristóvão Cardoso Cabral Coutinho de Albuquerque Barata, o juiz de quem falo, havia nascido em Campo Maior e tinha, à época, 42 anos de idade. Foi o primeiro e único visconde de Olivã e chegou a juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, para além de deputado e comendador de várias ordens. É no antigo palácio "do Barata”, hoje pertencente à Câmara Municipal de Campo Maior, que funcionam vários serviços, como biblioteca, repartição de finanças e o Museu do Azeite.

À margem

Alcácer do Sal foi, durante muito tempo, uma comarca de 3º categoria por onde os magistrados – juízes e delegados do procurador régio (e, mais tarde, da República), passavam com o desejo de serem rapidamente promovidos a uma comarca de classe superior.

O clima, muito quente no Verão, era propício a febres (malária), devido à presença de mosquitos. A  área a cobrir era muito extensa, contrastando com os parcos meios existentes, que contribuíam para aquele sentimento.

Por aqui transitaram muitos nomes que, posteriormente, vieram a evidenciar-se nas suas carreiras, na justiça, mas não só.

Em Maio de 1927, pouco antes de completar 24 anos, chegou a Alcácer do Sal um então anónimo Delegado do Procurador da República. Tinha pedido demissão da anterior colocação, em Mértola, porque naquela terra não encontrara qualquer alojamento ou condições que permitissem a sua estadia. Alertando a tutela para este assunto, fez com que a lei se alterasse, instando à criação de casas de função, caso contrário as comarcas seriam extintas, o que, na época, viria efetivamente a acontecer, com 36 destas.

Esse jovem magistrado chamava-se Marcello Mathias. Chegaria, nomeadamente, a cônsul, embaixador e ministro, para além de amigo e confidente de Salazar, a quem chegou a comprar presentes para oferecer à jornalista Christine Garnier. 

Mas isso é outra história…

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Já antes falei deste estranho e perigoso período da Primeira República no nosso País:

Um prédio de conspiradores - O sal da história (sapo.pt)

A condessa de Cascais e a jornalista inglesa encontraram-se na cadeia - O sal da história (sapo.pt)

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Os meus agradecimentos a Maria Antónia Lázaro, pela sugestão do tema.

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Fontes

Biblioteca Nacional de Portugal

Jornal Pedro Nunes

6º ano; nº332 – 8 dez 1912

6º ano; nº336 – 5 jan 1913

 

Hemeroteca Digital de Lisboa

Hemeroteca Digital (cm-lisboa.pt)

Jornal A Capital

3º ano; nº845 – 4 dez 1912

3º ano; nº847 – 6 dez 1912

 

Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal

Livros de registo da correspondência expedida para o Procurador da República

PT/AHMALCS/CMALCS/COMARCA/DELPROCURADORIA/01/01

PT/AHMALCS/CMALCS/COMARCA/DELPROCURADORIA/01/02

Assembleia da República

https://debates.parlamento.pt/catalogo/r1/cs/01/01/03/003/1912-12-04/5

 

Objectiva Fotográfica: Visconde d'Olivã (objectivacm.blogspot.com)

Apresentando página da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira – vol. 19

 

Correspondência com Salazar (1947-1968), de Marcello Mathias; seleção, organização e notas de Maria José Vaz Pinto – 2ª edição – Difel – Difusão Editorial Lda - Lisboa

 

O Palácio Visconde de Olivã - AlémCaia (sapo.pt)

Palácio Visconde Olivã e Jardins / Lagar-Museu / Biblioteca Municipal de Campo Maior - ATUALIZADO 2021 O que saber antes de ir - Sobre o que as pessoas estão falando - Tripadvisor

Lista de viscondados em Portugal – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

Portal de Genealogia | Geneall.net

 

Imagens

Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal

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https://www.tripadvisor.pt/

 

 

 

 

 

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