Quem era a misteriosa americana que passou por Lisboa?
A enigmática mulher visitou Lisboa em 1940 e encantou-se com o nosso Jardim Zoológico, ao ponto de enviar um avultado donativo. A sua identidade continua um segredo difícil de desvendar.
À entrada do Jardim Zoológico da Lisboa, antes das bilheteiras, existe um curioso banco que passa despercebido, apesar da sua grande dimensão, O “banco da americana” foi construído – pode ler-se em placa explicativa – como forma de agradecer o “generoso donativo” e a simpática carta enviados por uma senhora americana.
Em 1940, esta terá visitado o zoo, encantando-se com “ambiente único”, de “paraíso para a habitação de animais”, que sentiu naquele espaço, contrastando com outros jardins zoológicos em grandes cidades, “frios e formais”, como essas próprias metrópoles, onde, entendia, os animais se aborreciam imensamente.
Pois bem, quem será esta abastada americana à qual o Jardim Zoológico de Lisboa tanto agradou? Porque é que fez questão de se manter no anonimato? Seria uma figura pública?
São muitas as questões que nos assaltam e que não podem ser esclarecidas junto da administração do jardim, porque, segundo foi garantido, não possuem mais informação do que a expressa a placa.
O problema é que 1940 é um ano extremamente difícil para a identificação de estrangeiros de passagem por Lisboa.
Esse foi o ano em que tudo convergiu para a nossa Capital. Em que, de acordo com dados da época, entre junho e dezembro, três milhões de pessoas visitaram Belém para se deslumbrar com a Exposição do Mundo Português. Sabe-se que a maioria eram portugueses, desconheço quantos eram americanos ou do sexo feminino, mas parece um número avassalador, só para começar.
Para complicar, também há registos da entrada de dois mil estrangeiros por dia, só em Vilar Formoso.
Com a invasão simultânea do Luxemburgo, Bélgica e Holanda, a 10 de maio, e a intervenção do cônsul português em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes - concedendo vistos de entrada no país - a partir de 21 de junho, o número de estrangeiros mais do que decuplicou.
É que, enquanto a Europa estava em guerra, Portugal respirava uma estranha paz.
Para aqui dirigiram-se milhares de pessoas fugidas do conflito e maioritariamente em trânsito, para …a América.
Muitas eram mulheres elegantes, como dão conta os jornais da época, elogiando o inesperado cosmopolitismo da moda feminina na Capital, onde numerosas estrangeiras passeavam os seus louros penteados e vestidos originais.
A somar aos milhares de anónimos que lutavam pela sobrevivência num país que não era o seu, havia os que queriam passar incógnitos pelas mais variadas razões e os que estavam secretamente em Portugal, como os espiões.
Há, ainda uma boa mão cheia de mulheres famosas e facilmente identificadas em território nacional nessa época e a caminho do “sonho americano”.
Para além das numerosas convidadas pelo Secretariado Nacional de Informação para a inauguração da Exposição do Mundo Português, sabe-se que por cá transitaram a escultora grega Nina Embiricos; a princesa Bibikoff, filha do último embaixador russo em Berna; a atriz Florence Marly; a bailarina polaca Suzanna Jordan Roswadowski; a escritora francesa G. Quitter Allatini; Colette Gaveau, pianista francesa; Nelly Mann, mulher do escritor alemão Heinrich Mann e Alma Mahler-Werfel, esposa do dramaturgo austríaco, entre tantas outras.
Para muitos, as luzes e a silhueta da exposição foram a última imagem que levaram do continente europeu, quando zarparam para o outro lado do oceano.
Para uma apenas, foi o Jardim Zoológico de Lisboa que ficou na memória, mas talvez nunca saibamos quem foi esta “americana”.
À margem
A Exposição do Mundo Português modificou de forma dramática e para sempre a área de Belém. Embora a maioria das estruturas fosse efémera, foi preciso limpar – leia-se arrasar – o que antes ali estava. Uma das novas construções, destinada a existir apenas durante os seis meses da mostra, foi pensada e esboçada numa noite - pois não fazia parte do projeto inicial de Continelli Telmo. Surpreendentemente, é hoje um ícone de Lisboa.
O Padrão dos Descobrimentos foi ideia de Leitão de Barros, que, com a sua visão de cineasta, entendeu faltar ao recinto algo que desse a ideia de partida.
Imediatamente, Continelli Telmo ensaiou uma proa de caravela com paus de fósforo ardidos e mandou chamar com urgência o escultor Leopoldo de Almeida, para que acrescentasse ao seu embrião de monumento algumas figuras emblemáticas. A primeira versão, em ferro e cimento, não resistiu a um ciclone que, em fevereiro de 1941, arrancou a cabeça ao Infanta D. Henrique (a figura de proa), causando outros danos. A versão final, em betão, cantaria de pedra rosal de Leiria e de calcário lioz de Sintra, seria erguida para comemorar os 300 anos da morte do Infante.
De entre as 32 estátuas, há apenas uma mulher. D. Filipa de Lencastre. Mas, esta não é americana.É inglesa e deu à luz seis filhos que dariam muito que falar.
Mas isso é outra história…
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Este texto partiu de um desafio de Mitologia em português, que muito agradeço, apesar de não ter conseguido responder à questão: “quem é a americana?
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Fontes
Hemeroteca Digital de Lisboa
Hemeroteca Digital (cm-lisboa.pt)
Mundo Gráfico
Ano 1; nº1 - 15 out 1940
Ano 1; nº3 - 15 nov 1940
Ano 1; nº4 - 30 nov 1940
Ano 1; nº5 - 15 dez 1940
Revista dos Centenários
Nº19; ano I – 31 jul 1940
Nº20; ano I – 31 ago 1940
Memoria Brasil
per107670_1940_B01705.pdf (bn.br)
Jornal o Imparcial Popular
13 dez 1940
Visão História
A Exposição do Mundo Português e a propaganda do Estado Novo
Nº41 – mai 2017
Texto de Margarida Magalhães Ramalho
Texto de Emília Caetano
The woman who would be queen - A biography of the Duchess o Windsor, de Geoffrey Bocca; Rinehart & Company, Inc. New York. Toronto . 1961
Imagens
Mundo Gráfico
Revista dos Centenários
Fotografias da autora
Arquivo Municipal de Lisboa
Arquivo Municipal de Lisboa (cm-lisboa.pt)
Paulo Guedes
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/PAG/000373