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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Quem roubou o pirelióforo?

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O revolucionário invento português ganhou o grande prémio da exposição universal. O sucesso foi tal que, como todas as tentativas de compra foram recusadas, alguém fez desaparecer para sempre o colossal aparelho.


A Exposição Universal de St. Louis, nos Estados Unidos, foi a maior, mais dispendiosa e grandiosa que até então o homem tinha organizado ou conhecido. No meio de tamanha magnificência, uma invenção portuguesa conseguiu ser classificada como a principal atração, recebendo o elogio do público e do júri, que a cobriu de prémios. Após o certame, realizado em 1904, essa extraordinária máquina, que usava a luz do sol para derreter os mais densos minerais, foi roubada, desaparecendo para sempre. Tudo aconteceu cerca de quatro anos depois de a esmagadora maioria das obras de arte que Portugal levou o à exposição anterior, em Paris, se terem perdido num naufrágio.

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O imponente aparelho de que falamos, é o pirelióforo.

Nem os 13 metros de altura, nem os 80 metros quadrados da parábola, com os seus 6.177 espelhos, demoveram quem conseguiu apoderar-se do grande prodígio criado e construído por Manuel António Gomes, por todos conhecido como “padre Himalaia”.

De facto, embora o invento tivesse sido desmontado, o seu volume era considerável, mas o interesse comercial que despertou terá sido suficientemente forte para justificar tão extraordinário furto.


Contam as notícias da época que o inventor rejeitou várias propostas ainda durante a exposição. Logo após a montagem, um “sindicato de capitalistas americanos” queria construir uma vedação, obrigando quem quisesse ver o pirelióforo a pagar bilhete. Ofereceram, para isso, a astronómica soma de 250 contos, que o padre Himalaia recusou, como também não aceitou a naturalização como norte-americano, que lhe sugeriram Os japoneses subiram a parada e propuseram cerca de 350 contos pelo aparelho, igualmente recusados.


É que, embora a participação de Manuel António Gomes só tivesse sido possível à custa de mecenas que ele próprio angariou, já que o Estado português apenas contribuiu com “apoio moral”, os escrúpulos do inventor, “obscuro e desprotegido obreiro da ciência”, como lhe chamou um jornalista, não lhe permitiram desviar de Portugal os louros obtidos pela sua máquina.

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Afinal, o júri internacional atribuiu-lhe o Grand Prix, o primeiro lugar, bem como duas medalhas de ouro e uma de prata aos financiadores do aparelho. Os jornais norte-americanos deram-lhe destaques de primeira página e o padre Himalaia foi convidado a proferir numerosas palestras sobre as suas descobertas, tendo ficado longos meses em terras de Tio Sam.


O desaparecimento do pirelióforo, depois de tantos anos de pesquisa, diferentes versões e tanto investimento pessoal, deve ter sido um rude golpe. Talvez por isso, o inventor não tenha voltado a dedicar-se a este seu grande projeto.


Curiosamente, não muitos anos depois, em vários locais do território dos Estados Unidos da América, começaram a aparecer o que tudo indica que eram réplicas de pequena dimensão da máquina criada pelo português, usadas para fins distintos, mas exatamente com o mesmo funcionamento.

 

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Mas afinal o que era o pirelióforo que tanto encantou o mundo? Em traços gerais, pode dizer-se que o aparelho usava exclusivamente a luz solar, multiplicando-a e concentrando-a de forma a atingir elevadas temperaturas - 3.800 graus centígrados, no caso da versão final - capazes de fundir qualquer metal ou rocha sem dispêndio de energia. Era, sem dúvida, um sistema inovador, de grande valia em numerosos ramos da indústria e que, há cerca de uma século, já apontava no sentido das modernas opções por energias renováveis e limpas de combustíveis fósseis.

À margem
O pirelióforo não foi a única invenção de Manuel António Gomes, que chegou a registar dezenas de patentes em diversos países. As suas pesquisas começaram com a observação da natureza e a tentativa de produzir um adubo universal com base unicamente nas trocas químicas que naturalmente produzem azoto na atmosfera. Com o apoio de mecenas, conseguiu ir sempre aprofundando os seus conhecimentos em química, mecânica, matemática e física, entre outras áreas, estudando e contactando com cientistas e outros entusiastas dos novos rumos do conhecimento científico, casos do físico Berthelot, ou de Sebastien Kneipp, também ele padre e estudioso. Interessava-o o uso das grandes forças como a luz solar, o vento ou as ondas e o aproveitamento de recursos - esgotos para adubar as terras ou a produção de biogás; a transformação de crustáceos em rações para animais ou humanos - técnicas para fazer chover ou medicina natural, só para dar alguns exemplos. Criou um explosivo, alegadamente muito mais poderoso do que a pólvora, que batizou de himalaite e começou a comercializar para uso pacifista, em pedreiras, mas também na agricultura. Diga-se, no entanto, que se pensa que durante a I Grande Guerra, a himalaite terá sido produzida pelos alemães, com base em apontamentos roubados a Manuel António Gomes, e foi inclusivamente usada para bombardear Paris.
Mas isso é outra história...

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Fontes
Hemeroteca Digital de Lisboa
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/
Occidente – Revista Illustrada de Portugal e do Estrangeiro
29º ano; XXIX volume ; nº1003 – 10 nov. 1906
Serões – Revista mensal illustrada
nº1 – jul. 1905
Portugal na Exposição Universal de 1904 – O padre Himalaia e o Pirelióforo; texto de Alfredo Tinoco; Cadernos de Sociomuseologia; nº 42 – 2012. Disponível em http://recil.grupolusofona.pt/handle/10437/4545

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