Renascido das cinzas há meio século
A reconstrução do edifício, que um incêndio tinha destruído quatro anos antes, custou três vezes mais do que o previsto e consumiu boa parte dos parcos recursos do município alentejano, que só acabou de pagar a conta já em 1982. A memória nunca se recuperará.
24 de junho de 1969. Há meio século, Alcácer do Sal inaugurava uns Paços do Concelho totalmente novos, mantendo-se no geral a traça do antigo edifício, erguido no final do século XIX e destruído na quase totalidade por um incêndio, na primavera de 1965. Perdera-se muito da memória daquela terra alentejana – já que o arquivo desapareceu para sempre – mas ganhara-se um espaço moderno e adaptado às novas exigências do serviço público.
Exteriormente, as únicas diferenças aparentes eram a nova escadaria e a claraboia (ver imagem 2), mas, no interior , o imóvel nada tinha que ver com aquele que ardera.
Os festejos prolongaram-se por vários dias. O presidente da República, Américo Thomaz, esteve presente na cerimónia inaugural, onde seria condecorado com a primeira medalha de ouro outorgada pelo Conselho Municipal e nomeado cidadão honorário de Alcácer do Sal. Retribuiu, entregando ao então presidente da Câmara, Carlos Xavier do Amaral, as insígnias da Ordem de Benemerência.
Convidados foram mais de 550.
Empresas e escolas foram instadas a encerrar, para que o povo pudesse receber quem vinha de fora para a festa.
Houve espetáculos musicais, lautos repastos, corrida de touros e uma grande azáfama para que tudo corresse como planeado: Laura d’ Assunção Fernandes Carraça de Castro e Maria Emanuel Núncio Cecílio foram as senhoras da mais fina sociedade alcacerense encarregues do protocolo, da iluminação e decoração de ruas e edifícios.
A praça Pedro Nunes – ainda sem a estátua do grande matemático – foi também remodelada, depois de quatro anos em que funcionou como estaleiro. (na imagem 5 ainda por concluir)
Mas, nem tudo foram rosas neste processo. Alcácer era, ainda é, um município com parcos recursos.
Existem dezenas de cartas do então presidente da edilidade praticamente esmolando apoios governamentais para a obra, que custou três vezes mais que o previsto, foi morosa e desgastante, gerando muito falatório, pelo suposto luxo dos acabamentos.
As últimas contas saldaram-se só em 1971 e o empréstimo contraído arrastou-se até 1982.
O projeto, da autoria de Nereus Fernandes, foi executado pela empresa Socel-Sociedade de Construções Cetóbriga Lda.
O arquiteto foi ao requinte de desenhar os pormenores para aos delicados trabalhos de marcenaria, lustres, lanternas, ferragens das portas e, claro, a atual imponente escada interior e respetiva balaustrada (imagem 6).
Coube à firma Teixeira Duarte o estudo geotécnico ao terreno e fundações – tarefa especialmente complexa devido à proximidade do rio - bem como o projeto da nova estrutura, à base de betão armado e elementos pré-esforçados. As velhas paredes em tabique também tinham desaparecido para sempre.
A Seldex, equipou os espaços de serviço com mobiliário metálico, entretanto substituído, e a empresa Soares e Barbosa Lda. (Braga), forneceu gabinetes e salão nobre com móveis que ainda ali estão, copiando o estilo do mobiliário antigo que existia antes do fogo.
Os quadros do salão nobre, também inspirados em obras pré-existentes – imagens alegóricas da história de Alcácer, referidamente da sua tomada aos mouros – foram pintados por João Reis, a preço de saldo.
Os custos foram, aliás, uma preocupação sempre presente: a pintura, foi escolhida em detrimento dos azulejos inicialmente previstos porque era menos dispendiosa e regateou-se o valor com o artista.
A documentação, no entanto, mostra que se tentou apetrechar o edifício com o que de melhor existia na época – tapetes, cortinados, pinturas, azulejos, papel de parede adamascado - comparável às câmaras de Lisboa ou Porto, dizia-se.
Curiosa é a existência de uma carta de um especialista em segurança expressando a sua incredulidade por, ao visitar a obra, não ter visto qualquer rede de prevenção contra incêndios. Prioridades...
À margem
Foi a meio da tarde do dia 21 de abril de 1965, todos os serviços estavam a funcionar e abertos ao público.
Em apenas uma hora, o edifício dos a Paços do Concelho de Alcácer do Sal ficou reduzido a escombros e toda a documentação histórica existente no sótão, onde um curto-circuito terá estado na origem do sinistro, transformou-se em cinzas, criando um vazio difícil de imaginar. A reconstrução começou a ser planeada logo no mesmo dia, bem como a forma de por a funcionar, em outros espaços, todas as valências que antes ocupavam o edifício destruído. Durante este complexo período, à frente dos destinos da autarquia esteve Carlos Alberto Cartaxana Xavier do Amaral*, muito homenageado na época pelo papel desempenhado enquanto presidente de Câmara. Saiu de funções “pelo seu próprio pé” ainda antes de 1974, dedicando-se à sua profissão de sempre, na medicina.
O povo estimava-o, mas não se coibia de, rimando mas com uma ponta de maldade, dizer que as consultas e tratamentos Dr Amaral “não faziam bem, nem faziam mal”.
Mas isso é outra história...
*Já aqui antes falei da curiosa história do líder republicano avô deste presidente de câmara: António Paulo Cartaxana.
Fontes
Arquivo Municipal de Alcácer do Sal
PT/AHMALCS/CMALCS/CAMARA/12/05A/01/006
PT/AHMALCS/CMALCS/CAMARA/10/04/91/001
PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0164
PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0166
PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0167
PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0264
PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0265
PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/074
PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0161