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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Um jogo que se ia perdendo na história

 

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A histórica partida inaugural entre Lisboa e Porto, em que se disputou o primeiro troféu português em futebol, não passou de mera nota de rodapé entre as importantes e animadas comemorações do V Centenário do Nascimento do Infante D. Henrique, que levaram ao Porto a família real e milhares de pessoas imbuídas de espírito patriótico.

 

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Foi das mãos de D. Carlos que a equipa de Lisboa recebeu aquele que foi o primeiro troféu de futebol disputado em Portugal, no final de um jogo realizado no Porto. Ficou para o anedotário nacional o facto de o match, como então se designava a partida de football, ter sido prolongado para que o real casal pudesse ver mais um pouco, já que haviam chegado perto do final. Admira até que tivessem conseguido comparecer, pois aquele evento terá sido, talvez, o menos importante da sua movimentada estadia na Invicta, nesse mês de março de 1894.

chegada dos reis ao porto em 1894.GIF

Efetivamente, não houve na época a noção de que se estava a escrever a história do desporto que, naquele longínquo ano, não era ainda “rei”, mas apenas uma atividade de elite, muito fomentada pelos ingleses a viverem no nosso País.

Ainda por cima, por aqueles dias, os britânicos não gozavam de grande simpatia pública, pois havia ainda resquícios das indignadas manifestações populares e políticas que sucederam ao ultimato inglês a que haviamos sido forçados a ceder, em 1890.

Ferido no seu orgulho e obrigado a recuar nas colónias, Portugal desdobrou-se, nos anos seguintes, em exercícios de exaltação do amor à pátria e afirmação do seu território aquém e além-mar. Foi nesse contexto que as comemorações do V Centenário do Nascimento do Infante D. Henrique, realizadas naquela data e no Porto, monopolizavam as atenções.

cortejo civico comemoracoes henriquinas.GIF

Tanto assim é que, no mesmo dia em que entregou ao vencedor do jogo de futebol a taça de prata “riquíssima de valor”, D. Carlos e D. Amélia haviam estado, imediatamente antes, na inauguração da Exposição Insular e Colonial Portuguesa, no Palácio de Cristal, o que acabaria por atrasá-los.

 

corrida de velocipedes na rotunda da Boavista.GIF

De resto, a sua estadia foi recheada de compromissos, correndo de evento em evento, tentando acudir a todos os locais onde a sua presença era reclamada: exercícios de tiro ao alvo, corridas de velocípedes; sessões solenes de variada índole; missas e visitas a diversas entidades; a inauguração da Exposição Agrícola e Industrial (em Vila Nova de Gaia), o bodo aos Bombeiros e a inauguração da escola Príncipe da Beira, em Gueifães…entre tantas outras iniciativas.

deposicao da primeira pedra no monumento ao infant

Nem de noite tinham descanso, com jantares de centenas de talheres, bailes e até uma função de gala no Teatro S. João, com todo o elenco do Real Teatro de São Carlos, propositadamente transportado de Lisboa.

chegada da primeira pedra para o monumento ao infa

As ruas do Porto estavam engalanadas e iluminadas, havia muito povo, mas o cortejo cívico, com a presença de carros alegóricos das principais instituições portuenses, terá sido um dos momentos mais brilhantes.

O rei participou a cavalo e, a meio caminho, descerrou uma lápide na casa onde se pensa ter nascido o Infante.

No desfile fluvial – com o monarca a bordo da corveta Sagres - houve enorme emoção patriótica. Integrava uma caravela do século XV, na qual seguia uma laje trazida de Sagres – onde o Infante D. Henrique terá fundado a sua mítica escola de navegação - que se destinava a constituir a pedra fundamental - então lançada - do monumento que a ele se erigiria no Porto e que só seria inaugurado seis anos depois.

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Como é fácil de perceber, com tanta atividade de monta a decorrer, o histórico desafio de futebol – ou jogo do coice, como a modalidade era apelidada - foi então mera nota de rodapé, embora hoje seja dos eventos mais documentados.

Afinal, foi a primeira taça entregue em Portugal e a disputa inaugural entre Lisboa e o Porto, consequência do repto lançado pelos portuenses no ano anterior.

Nesta Cup d’El Rei, pela Capital jogou uma seleção das agremiações existentes – Club Lisbonense, Carcavellos Club e Ginásio Clube Português - enquanto, pelo Porto, alinharam representantes da génese do Futebol Clube do Porto e ingleses do Oporto Cricket Club. Venceu Lisboa por uma bola a zero, embora o goalkeeper dos lisboetas tenha tido necessidade de mostrar todos os seus dotes. Chamava-se Guilherme Ferreira Pinto Bastos e era também o capitão dos “lutadores” lisboetas.

Perspetivara-se um torneio anual - o Football Championship das Cidades de Portugal - para decidir quem ficaria com o belo troféu, mas a instabilidade política acabaria por ditar apenas este jogo. Atualmente, a taça pertence ao Clube Internacional de Futebol (CIF), "herdeiro" das instituições participantes.

 

À margem

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Este jogo de futebol amigável, que ficou para a história, não se regeu pelas atuais regras, nem sequer a dimensão do campo ou a distância e altura das balizas correspondem ao atualmente aceite nas competições oficiais da modalidade. Também não foi o primeiro em solo nacional. A honra de estrear o entre nós esta invenção dos ingleses foi para a Camacha, na Madeira, onde, em 1875, se realizou a primeira partida, iniciativa de um jovem britânico que ali passava as suas férias, como era comum entre os abastados. No continente, o debute fez-se sete anos depois, entre ingleses e irlandeses pertencentes a navios então fundeados em Lagos.

Coube a Guilherme Ferreira Pinto Bastos – o verdadeiro sportsman português – o mérito de ter trazido para o nosso território a primeira bola de futebol, depois de ter estudado em Inglaterra. Não se ficou por aí: ele, os irmãos - e depois os filhos e sobrinhos – fomentaram verdadeiramente a prática desportiva, não apenas futebolística, dinamizando atividades e associações que deram frutos e ainda hoje existem. Aliás, a fama empreendora da sua família já vinha de longe, basta dizer que foi o bisavô o fundador da conhecidissíma Vista Alegre, uma das mais emblemáticas marcas portuguesas.

Mas isso é outra história

Fontes

Hemeroteca Digital de Lisboa

Diário Illustrado

nº7398 29 out 1893

nº7521 3 mar 1894

nº7522 4 mar 1894

O António Maria, 14 maio 1894

 

Visão História, nº66, 08.2021

 

Taça D. Carlos I - Wikiwand

 

Família Real Portuguesa: ACONTECEU EM 1894... (realfamiliaportuguesa.blogspot.com)

 

Primeiro troféu português de futebol foi há 126 anos - Andarilho

File:Guilherme pinto basto.jpg - Wikipedia

O dia em que se realizou o primeiro jogo de futebol público em Portugal | MAISFUTEBOL (iol.pt)

Imagens

Arquivo Municipal do Porto

Gisa.web

Comemorações Henriquinas - corrida de velocípedes na Rotunda da Boavista

PT-CMP-AM/COL/FA/F.P:AVU:12:3, Foto Guedes, Edição Câmara Municipal do Porto - Coleção: Comemorações Henriquinas no Porto, em 1894, nº 8

Lançamento da primeira pedra para o monumento ao Infante Dom Henrique

PT-CMP-AM/COL/PST/D.PST:2204, Foto Guedes, Edição Câmara Municipal do Porto - Coleção: Comemorações Henriquinas no Porto, em 1894, nº 9

Chegada dos reis ao Porto para celebrar o V centenário do nascimento do Infante D. Henrique

PT-CMP-AM/PRI/FGD/F.NV:FG.M:9:893

Comemorações Henriquinas no Porto em 1894 : Cortejo Cívico

PT-CMP-AM/COL/FA/F.P:AVU:12:4, Fotografia produzida por "Fotografia Santos", Travessa da Fábrica, nº 32, Porto.

D. Carlos - Arquivo Plataforma de Cidadania Monarquica

Rafael Bordalo Pinheiro, O António Maria, 14 maio 1894

File:Guilherme pinto basto.jpg - Wikipedia